Principais Características do Funcionalismo Público no Japão

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No Japão tem concurso público todo ano, mas o candidato não escolhe o cargo que vai disputar, a remuneração do funcionário público é ajustada com base na média da iniciativa privada (então na crise ela cai), o servidor é transferido a cada três anos e a ele são negados vários direitos trabalhistas. Estas e outras peculiaridades neste texto que preparei para o grupo de Direito Comparado Brasil-Japão.

https://burajiruhounokai.wordpress.com/2018/10/04/principais-caracteristicas-do-funcionalismo-publico-no-japao/

「ブラジル法の会」 - Os novos esforços do Partido Liberal Democrático para reformar a Constituição do Japão

Preparei uma brevíssima contextualização da nova tentativa de reformar a Constituição do Japão (lembrando que ela nunca recebeu uma emenda sequer desde que entrou em vigor em 1947) para o ブラジル法の会

https://burajiruhounokai.wordpress.com/2017/06/12/os-novos-esforcos-do-partido-liberal-democratico-para-reformar-a-constituicao-do-japao/

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Sobre o direito dos estrangeiros ao seikatsu hogo (auxílio-subsistência) no Japão após a decisão da Suprema Corte

Como a maioria dos estrangeiros residentes no Japão já devem saber, a Suprema Corte do Japão decidiu que os estrangeiros residentes no Japão não são elegíveis para o auxílio-subsistência com base na lei que institui o benefício.Ocorre que a maioria dos veículos de imprensa não está noticiando exatamente isso. O Alternativa, por exemplo noticia que “Estrangeiros não têm direito ao seikatsu hogo, diz Suprema Corte“. Na mesma linha segue o Nikkei 永住外国人の生活保護認めず 最高裁が初判断  e o Yomiuri 生活保護外国人は対象外 中国籍女性が逆転敗訴.

Porém, a diferença entre “não ter direito ao seikatsu hogo” e “não ter direito ao seikatsu hogo com base na lei” não é mero preciosismo pois são duas coisas totalmente diferentes.

O entendimento até hoje sempre tinha sido que os estrangeiros não tinham direito ao benefício com base nos arts. 1º e 2º da Lei do Seikatsu Hogo, que fala em 国民, interpretando a expressão como “nacionais”, japoneses natos ou naturalizados. Os estrangeiros residentes vinham obtendo o benefício com base com base na instrução administrativa nº 382 do Ministério da Saúde, Trabalho e Bem-Estar Social, que submete, portanto, o estrangeiro à discricionariedade dos poderes públicos regionais. Como consequência, o poder público regional decide de forma absolutamente discricionária se o estrangeiro irá ou não receber, e dessa decisão não há recurso.

A atual decisão da Suprema Corte confirmou esse entendimento. Não significa que não seja problemática, tinha o potencial de mudar a situação dos estrangeiros, transformando a concessão do benefício de uma benesse administrativa em um direito garantido em lei.

Infelizmente não foi isso que aconteceu, a Suprema Corte decidiu interpretar 国民 como nacional japonês, excluindo os estrangeiros, ainda que a interpretação contrária já ocorra com o Lei do Seguro Saúde e com a Lei de Pensão Nacional, que também utilizam 国民. Curiosamente, a obrigação de pagar impostos é definida na Constituição como uma obrigação dos  “nacionais” (国民), mas entende-se que estrangeiros também são contribuintes. Bastante conveniente não é mesmo?

Resumo da ópera: a decisão formalmente não muda nada, tinha potencial para ser uma conquista de direitos, mas não se tornou proibição do benefício concedido de forma administrativa. A questão agora é ver se as administrações regionais irão levar a decisão em consideração para discricionariamente não conceder o seikatsu hogo aos residentes estrangeiros.

Maioria das informações e interpretações retiradas do seguinte site: http://ameblo.jp/tokutake-satoko/entry-11896859417.html

Questões de gênero nos animes: Empoderamento Feminino e Igualdade em Gundam (1979)?

Matilda

Matilda

Nesse texto me aventuro  em um tema do qual não tenho base teórica alguma, então estou sujeito a cometer muitos erros, mesmo assim, vale a tentativa.

Em uma sociedade como a japonesa, tão desigual na questão de gênero, tão preconceituosa com as mulheres, é de se esperar que a indústria cultural reproduza e reforce tal desigualdade e preconceito. É o que acontece em muitos seriados, filmes, manga e anime. No caso desses últimos dois me parece até bastante grave, não apenas na óbvia questão de objetificação sexual das mulheres, mas na própria posição dentro das tramas em que são colocadas, camuflando o preconceito com personagens marcantes mas sem uma posição de poder (por exemplo, personagens femininas fortes mas também insanas, abobadas).

Então penso em uma série como Gundam (1979), uma época que talvez marca um daqueles ápices da desigualdade de gênero, uma série que, diga-se de passagem, está longe do retrato e posicionamento ideal das mulheres, mas ainda assim anos luz a frente da sociedade japonesa de ontem e de hoje.

Onde vejo os méritos da série no tratamento da questão de gênero? Em primeiro lugar, na questão de erotização, não há fan-services (nem sei se existia na época) e não há taradismo dos personagens, pelo contrário, existe uma enorme admiração dos personagens masculinos por personagens como a Matilda, sem nenhuma erotização.

Em segundo lugar vejo um empoderamento feminino que vem da própria concepção de igualdade, concepção esta tão óbvia que não precisa ser enfrentada de forma explícita na série. Explicando melhor, não existe estranhamento dos personagens masculinos diante de personagens femininas exercendo poder e participando das decisões, que as mulheres exerçam tais papeis é absolutamente natural na série. Ou seja, há empoderamento como condição óbvia na existência dos personagens. Esse tipo de “crítica” é ao mesmo tempo muito sútil, mas também muito mais inteligente do que ter as mulheres questionadas e depois dando a volta por cima, pois mostra um estágio mais avançado de humanidade, o estágio em que as mulheres sequer precisam passar por essas provações.

Aqui temos vários exemplos. Um dos mais óbvios é da própria Matilda, não há qualquer questionamento ou surpresa sobre sua posição de comando acima dos personagens masculinos, pelo contrário, além de admiração existe inclusive uma sensação de dependência dela que se torna uma guardiã da White Base.

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Mirai

Outro exemplo que acho bem interessante é da Mirai, que assume comando da White Base em um momento da fragilidade psicológica do comandante homem. As personagens que passam a comandar a nave, as personagens que mais resistem ao stress são a própria Mirai e também a Sayla. Sim, a Mirai tem seus momentos de fraqueza e dúvida, mas não surge nenhum personagem masculino salvador para colocá-la no lugar, para dar o elemento racional e de comando tipicamente atribuído aos homens, não é o manual elaborado pelo Bright que faz a diferença, mas o suporte da Matilda e Sayla que tornam ela uma comandante.  E novamente me surpreendo que não é feito um único comentário questionando o comando de uma mulher. Se alguma crítica é feita, é sobre sua indecisão.

Há ainda outros exemplos, como a relação entre Ramba Ral e Hamon. Não importa o quanto o Ramba Ral seja “foda”, o respeito que ele mostra diante da Hamon e o próprio diálogo entre os dois passa uma relação de igualdade muito forte.

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Hamon e Ramba Ral

Inclusive, essas mulheres lutam e morrem sem drama, sem ficar se apaixonando e chorando por algum personagem principal, não há entre elas tsundere, personagens fortes por fora e ridiculamente fracas por dentro. Existem na série vários elementos diferentes, submissos? Existem, a questão é pensar se são ao menos bem balanceados com com esses exemplos muito mais autênticos. Daí o “?” no título do post. Entre posturas machistas e e personagens femininas relevantes, e levando em consideração a época do anime, será que cumpre um papel positivo ou negativo no retrato de personagens femininas?

Me parece um retrato muito diferente de outras séries, como Saint Seiya por exemplo, em que as mulheres ou precisam ser protegidas o tempo todo, ou são falsamente fortes. Por exemplo, a Shina, com toda sua revolta, mas no fundo tem uma grande fraqueza é apaixonada pelo Seiya, ou seja, ela não existe por si mesma como personagem, está ali para elevar o Seiya como personagem principal. Semelhante é o papel da Marin, toda cheia de autoridade e poder, mas no fundo não é nada perto dos cavaleiros de bronze, é apenas irmã do Seiya. A Hilda, que poderia ser uma grande vilã, é apenas uma figura controlada por uma força masculina.

Enfim, Gundam (1979) quebra barreiras e estereótipos, não existe o tipo masculino forte e o tipo feminino forte, homens e mulheres são parecidos em qualidades e defeitos. Infelizmente a série não manteve esse padrão nos animes mais recentes

Creio que minha visão pode ser muito superficial ou otimista, e a contribuição de gente mais entendida seja na questão de gênero, seja nos próprios personagens da séries, pode ajudar a reforçar ou ou enfraquecer os pontos que levantei aqui. Mesmo assim, acho importante lançar a questão de gênero com seriedade, não ficando restrito aos questionamentos de ordem física (coisas do tipo: porque a armadura e roupas das mulheres são “sexualizadas” [nem sei se a expressão usada designa o que quero designar, mas dá para entender]).

Ps. Peço que me corrijam nas terminologias técnicas, nos erros com relação a trama, enfim, aceito contribuições sem qualquer constrangimento.

Shingeki no Kyojin, Hadashi no Gen e Studio Ghibli – Embate Político na Indústria Cultural

Diante das reações ao último post sobre o discurso da direita em Shingeki no Kyojin, percebo que, para que aquele texto faça sentido, é preciso a) que o leitor acredite que o embate político entre direita e esquerda é travado por meio da indústria dos animes e mangas; b) que o leitor entenda o fato daquela análise se inserir em um momento muito específico da política japonesa . Caso esse pressuposto não exista, os comentários que teci parecerão de fato apenas teorias sem sentido ou generalidades.

Por exemplo, alguém poderia dizer que aquelas analogias se aplicam a outras obras. Eu mesmo pensei em DBZ, com a questão das constantes ameaças de invasões de “fora”, da necessidade de se fortalecer, mas ali, além do discurso ser absolutamente diferente, o momento na política e na indústria cultural era outro.

Portanto, para que a premissa de que existe discurso político nos mangas/animes seja aceita, vou abordar três casos desse ano que mostram como um determinado momento político pode trazer a tona esses contornos de embate entre esquerda e direita, que podem estar explícitos ou implícitos nessas obras por meio da pessoa de seus autores.

* Aqui falo de esquerda e direita não de forma genérica, mas especificamente no contexto de direita japonesa, entendida como nacionalista, militarista, revisionista e xenófoba, e de esquerda especialmente no aspecto pacifista e cosmopolita.

I – Breve Background Político

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Em termos bem resumidos do background político, é importante que os leitores desses comentários tenham em mente o seguinte cenário. O Jimintou (ou LDP) é um partido da direita japonesa, com alas mais moderadas e mais conservadoras. Permaneceu no poder de forma quase ininterrupta desde 1955 (com apenas um ano de intervalo em 1993-1994). Desde a década de 50 o partido advoga contra a atual Constituição do Japão, que aboliu o exército japonês, retirou todos os poderes do imperador (inclusive o caráter divino) e apresentou conceitos de bem estar social e direitos humanos em lugar da ordem pública. São justamente esses os pontos que sempre quiseram mudar por meio de emenda constitucional, estabelecendo novamente o exército, restaurando alguns poderes imperiais, e dando novos contornos de um estado focado mais em ordem do que em bem-estar social.

Em 2009 o partido sofreu a maior derrota até então em eleições, retomando, no entanto, o poder no final 2012, com uma vitória muito expressiva, e com o retorno de Shinzo Abe, representante de uma ala mais conservadora, nacionalista e revisionista, que defende o papel do Japão na Segunda Guerra Mundial (já cogitou inclusive revogar os poucos pedidos de desculpas públicos feitos pelo país) e uma postura diplomática de agressividade defensiva, como se o Japão estivesse prestes a ser atacado por todos os lados, adotando, portanto, um discurso duro e as vezes alarmista.

O retorno ao poder dessa ala política se deve muito mais às propostas econômicas do que ideológicas, e diante da alienação dos japoneses com relação a política, pode-se dizer que seu eleitorado não é majoritariamente dessa direita tão conservadora. Mas é inegável que em tempos de crise, esses valores nacionalistas, essa postura defensiva se torna muito mais comum, mesmo sem um contorno político definido, e esse discurso passa a ser adotado ou defendido por grande parte população consciente ou inconscientemente. Nesse cenário surgiram alguns fatos preocupantes:

1) Hadashi no Gen

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Hadashi no Gen, ou Gen Pés Descalços, é um manga símbolo do pacifismo, um retrato teoricamente fiel do horror das bombas atômicas, que adota uma postura especialmente crítica contra o governo japonês da época, contra o esforço de guerra e contra o imperador. Publicado inicialmente na Weekly Shonen Jump entre 1973 e 1975, foi cancelado e posteriormente passou pela Revista Shimin e depois passou 4 anos na Bunka Hyoron, uma revista ligada ao partido comunista.

Por conta dessa vinculação explícita com a esquerda, e por declarações polêmicas contra o imperador e contra o exército e governo japonês, a obra sempre enfrentou alguma resistência da direita, o que não impediu de ser leitura presente em todas as escolas japonesas, e a exibição do filme é quase um ritual todos os anos em muitas instituições de ensino

Ocorre que, com a morte do autor Keiji Nakazawa em Dezembro de 2012, e com o retorno da direita conservadora ao poder, a obra tem se tornado alvo de casos absurdos de censura. Primeiramente, foi proibida e retirada das bibliotecas e escolas da cidade de Matsue, não só pela sua abordagem gráfica e realista, mas por ser considerado pelos conservadores e revisionistas japoneses como um retrato incorreto da participação do Japão na Guerra (aqui a crítica se foca especialmente nos casos de castigos corporais retratados, na opressão do exército contra civis e etc). Isso tudo partiu de um suposto lobby do Zaitokukai, uma associação de extrema direita contra direito dos estrangeiros (sim, isso existe, segue o link: http://en.wikipedia.org/wiki/Zaitokukai).

Uma petição online com 21.395 assinaturas foi apresentada no comitê educacional da escola e reverteu a situação em 26 de agosto de 2013

E a polêmica com “Gen” continuou com um pedido de nível nacional para retirada do mangá como material de ensino nas escolas:

http://sankei.jp.msn.com/life/news/130911/edc13091115490004-n1.htm

Para quem não lê ainda em nihongo, segue a página da wikipedia em inglês sobre a associação que fez o pedido, o que vai dar uma noção bem clara da agenda política por trás disso tudo.

http://en.wikipedia.org/wiki/Japanese_Society_for_History_Textbook_Reform

2) Ghibli Studio

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Por trás da beleza dos animes Ghibli e da qualidade excelente dos roteiros,  existe um verdadeiro engajamento na transmissão de alguns ideais nessas obras. Especialmente nos filmes dirigidos por Hayao Miyazaki temos as temáticas mais claras como a defesa do meio ambiente, bem como críticas mais sutis (ou não) contra o capitalismo, consumismo e etc. Além disso, Miyazaki é declaradamente socialista e foi líder sindical na década de 60. Recentemente (julho de 2013) ele e outros diretores como Isao Takahata publicaram artigos abertamente contrários ao Primeiro Ministro Abe e às tentativas de militarização do país (ainda escreverei um post com review desses artigos).

Some-se a isso o lançamento de seu novo filme, Kaze Tachinu, que também trata de questões polêmicas sobre a guerra . Em meio a elogios, críticas e acusações de traidor, Miyazaki anunciou sua aposentadoria. Claro que devemos levar em conta principalmente sua idade , o trabalho extenuante que é dirigir um anime e etc, mas acredito que o desgaste com a política também existe, nem que seja de consciência. Em uma época em que os valores contras os quais luta parecem prevalecer, se torna necessário se posicionar politicamente para além de suas obras, provavelmente o esforço acaba sendo grande demais para o diretor.

Com isso, mostro mais uma vez o diálogo explícito entre anime e política, e como essa relação está muito forte em 2013.

3) Shingeki no Kyojin

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Assim, chego a Shingeki no Kyojin. Seria o “boom” do mangá e o sucesso do anime justo em 2013 uma coincidência? Acho que não, mas não por uma força política misteriosa operando uma conspiração, acredito apenas que o sucesso da obra seja produto desse momento político específico, de um chamado inconsciente dos jovens para alguns valores da direita, isso sim conscientemente produzido pelos políticos, mas estes também produtos de seu tempo, posteriores a geração que vivenciou o pior da guerra e pós-guerra. Não creio que a obra tenha sido escrita especificamente para manipular as mentes por meio das alegorias que falei no post passado, ao contrário, creio que o autor seja reflexo desses ideais que o Jimintou propaga faz 50 anos, e ele apenas reproduziu inconscientemente o discurso com o qual sentiu alguma afinidade. No momento em que essas ideias ganham poder nacionalmente, o manga encontrou um público receptivo e aberto à mensagem ali contida.

Diferente de obras como Gen, ou dos animes Ghibli, que procuram produzir conscientemente um ideal, Shingeki me parece mais como uma simples ferramenta de reprodução de uma mentalidade conservadora.  Mas em um momento de predominância da direita no poder, aqueles sofrem ataques, enquanto este… bom, se existe influência política ou não, a meu ver favorece a disseminação de uma mentalidade que será fundamental caso o Jimintou queira modificar a constituição.

Jovens japoneses participam pouco das eleições, até 40% menos que os idosos

Segundo pesquisa da 明るい選挙推進協会 (Associação para Promoção de Eleições Justas), a taxa de participação dos jovens (faixa dos 20 anos) nas eleições da Câmara Baixa ainda mantém uma diferença de cerca 40% em comparação com a participação de pessoas com mais 60 anos.

O resultado pode ser visto no gráfico abaixo

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Explicando a imagem, cada linha no gráfico corresponde a uma faixa etária, vermelho claro 20 anos, verde 30 anos e assim por diante. Na coluna azul o primeiro número é o número da eleição e abaixo o ano em que ocorreu, no calendário japonês. Por exemplo, a Eleição de nº 46 aconteceu no ano 24 da Era Heisei, que equivale ao ano de 2012.

A principal explicação apresentada no relatório a ONG é o fato de que as pessoas mais velhas estão mais integradas na sociedade, e dessa forma tem maior integração e consequentemente maior consequência política.

Faz sentido até certo ponto, especialmente se considerarmos que os japones realmente dividem a vida em duas partes: gakusei (estudante) e shakaijin (pessoa/membro da sociedade, em tradução livre), sendo que esta última é um “título” conferido depois que indivíduo se forma ou começa a trabalhar. Como a maioria se forma depois dos 20 anos, realmente, até ali e talvez por vários anos ainda demoram a perceber que sempre foram membros da sociedade. Claro que são denominações informais, mas sou testemunha de que o uso das expressões é absolutamente comum.

Tenho certeza que outros elementos podem ser considerados, que pode ir desde o ócio dos aposentados, até o tipo de educação de cada geração. Quem tem sessenta anos hoje foi educado em um período de democratização, talvez isso conte muito.

A propósito, aquele aumento grande na participação entre as eleições 43 e 45 coincide com um período grande de insatisfação com o governo, agravado com a crise de 2008 que levou a uma enorme participação das pessoas na busca de uma mudança no poder (e com muito incentivo da mídia), tendo em vista a hegemonia do LDP desde 1955 (com um único pequeno intervalo entre 1993 e 1994). De fato, na eleição 45 de 2009 o DPJ teve uma vitória expressiva.

Enfim, deixo aí números interessantes para quem quiser refletir.

Human Empowerment – ou como o relativo sucesso do governo revoltou a população

Esfriadas um pouco as manifestações, expostas as opiniões em todos os espectros políticos, decidi escrever um texto um pouco mais técnico sobre como avalio os protestos que atingiram o país, e, especialmente, porque acho que muito dessa revolta foi direcionada sobre as pessoas erradas pelos motivos errados e sobre as pessoas certas pelos motivos errados.

Inglehart e Welzel são dois cientistas políticos que desenvolveram algo chamado “Human-Empowerment Model”, em tradução livre, Modelo de Empoderamento Humano, descrevendo a forma como o poder passa para as mãos do povo na transição entre a democracia meramente representativa e a democracia efetiva.

Os primeiros componentes desse modelo são os Recursos de Ação, basicamente os recursos materiais e cognitivos que permitem às pessoas governaram as próprias vidas e que levam ao segundo componente do modelo, os valores de Auto-Expressão, igualdade de gênero, tolerância à estrangeiros, homossexuais e etc, enfim, prioridades que só se tornam prioridades quando as condições materiais básicas estão supridas. A terceira fase é o fortalecimento das instituições democráticas, a legitimidade dos representantes.

O primeiro componente está ligado diretamente ao desenvolvimento econômico do país, afinal, superadas as barreiras materiais básicas as pessoas passam a ter exigências de ordem psicológica e política mais complexas.

Em 11 anos de governo do PT a evolução dos indicadores econômicos é claramente MUITO superior aos anos que antecederam. Não se trata de uma defesa do partido, é uma constatação importante inclusive para desenvolver a crítica contra o partido. Seguem os dados:

Exportações

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PIB per capita

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Dívida proporcional ao PIB

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Taxa de Juros

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Desemprego

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Salários

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Não precisa ser especialista para perceber que 2002 marca em todos os casos um claro momento de mudança. Se é por conta de méritos da política econômica do governo ou conjuntura da economia mundial, não sei, mas os números estão aí. Some-se a isso outros dados como os números recordes no combate à pobreza  e a ascensão de uma nova classe média e fica claro que a primeira parte do Empoderamento Humano vem avançando a passos largos no Brasil.

Faltou competência do governo, entretanto, em se antecipar e suprir a segunda e terceira fase. Satisfeita com a estabilidade econômica, a população volta suas atenções para a boa governança, medida pelo Banco Mundial em termos de , Responsividade, Accountability, Estabilidade Política, Regulação de Qualidade, Efetividade do Governo, Respeito ao estado de direito, combate à corrupção… Nesses pontos as estatísticas mostram que o Estado não evoluiu de forma decisiva:

Accountability

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Estabilidade Política

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Eficiência do Governo

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Qualidade Regulatoria

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Estado de Direito

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Controle da Corrupção

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E não só não evoluiu como não educou politicamente a população para exigir isso. Consequência: as pessoas não sabem exatamente o que querem. Confundem indicadores de economia e de governança (ou nem sabem que existem), não identificam os méritos econômicos e criam deméritos para justificar os problemas de sempre: corrupção, ineficácia, falta de prioridades.

O Governo do PT deu poder às pessoas para exigir mais que a sobrevivência, mas ainda não soube se comprometer com esse algo a mais. Esse não foi o governo mais corrupto, mas colhe com uma pitada de injustiça e um pouco de merecimento um ódio de certa parcela da população. É injusto em parte, porque obviamente nem tudo de ruim é culpa do poder executivo, muito menos do governo federal, é injusto porque a classe média “clássica” é arrogante, não se educa politicamente, fala do que não sabe com a propriedade de um especialista (e ai do especialista de verdade que questionar as verdades da classe), , em termos atuais, só sabe compartilhar foto de facebook sem ler. Ao mesmo tempo é merecido pois ao dar condições materiais para a população, o governo não se atentou que, tendo o básico, o elementar, as pessoas percebem como era pouco, e vão querer não apenas o básico, mas o básico de qualidade não só em nível material, mas ideologicamente vão querer exercer seu poder de direito sobre o governo.

E na carona das exigências legítimas virão as exigências mais descerebradas da elite, da parcela alienada da classe média. Mas se exigem absurdos, se cobram sem saber de quem cobrar, é em grande parte culpa do governo que não é transparente, que nunca deixa claro os canais legítimos de cobrança e as competências de cada ente. Não educa a população em exercer a democracia efetiva e ainda por cima reforça a crise na própria representatividade com um partido de identidade esquizofrênica.

Minha conclusão nisso tudo é que o PT foi positivamente responsável por uma série de melhorias que levaram, junto com outros “n” fatores, a um descontentamento geral, a uma série de revoltas mal direcionadas mas que são muito claras em uma coisa (ainda que os manifestantes ainda não tenham percebido que o que querem pode ser expresso de forma clara): as coisas precisam mudar institucionalmente, precisam ser mais transparentes para que as pessoas possam descobrir o que querem e como querem. Ainda vivemos em uma cultura tão atrasada que parte da população acha que só o voto é instrumento legítimo de cobrança e outra parcela acha que só impeachment, renúncias, atos de autoridade do poder executivo esmagando parlamentares eleitos, enfim, que apenas destituindo pessoas a realidade poderia mudar. É o velho personalismo que predomina na mentalidade latino americana. O problema não são os governantes ou os partidos, não são necessariamente as leis e talvez nem mesmo a estrutura básica das instituições, mas o sistema de CONTROLE da população sobre eles, especialmente a falta de  cobrança organizada por meio da sociedade civil (séria, não certos grupos alienados e conservadores que existem por aí).

Propor um plebiscito para reforma política mostra uma tentativa de melhorar essa interação entre povo e governo, mas é crível que boas decisões sejam tomadas exatamente por essa população (e por essa população não falo dos pobres não, falo justamente da classe média semi-educada com curso superior em arrogância) que ainda não entendeu como o sistema funciona? Mudança a toque de caixa sem muita educação política? Se as pessoas acham que corrupção como crime hediondo pode resolver qualquer coisa, não seria surpresa se fossemos presentados com propostas absurdas como voto distrital, fim de partidos políticos, novo cheque em branco para financiamento privado das campanhas. Enfim, saíram todos ludibriados com uma falsa mudança.

O Japão e o caminho para enfraquecer a paz e a democracia

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Desde a posse do atual Primeiro Ministro do Japão, Abe Shinzo, começo a ter a impressão de que o Japão está prestes a destruir seus símbolos mais importantes do pós-guerra: pacifismo e democracia. Abe atacou esses dois pilares numa de suas primeiras entrevistas manifestando a clara intenção de modificar o art. 9º, no qual o Japão renuncáa à guerra e à manutenção de um exército próprio. Querer modificar esse artigo não é novidade, mas o mais alarmante foi que ele disse, sem vergonha alguma, que a idéia é modificar o próprio procedimento de alteração da Constituição, previsto no art. 96, reduzindo de 2/3 para 1/2 o número de votos parlamentares necessários para essa alteração.

A questão do pacifismo já foi bem enfrentada em toda parte, desde que a Constituição de 47 entrou em vigor proibindo que o Japão participasse de guerras e proibindo a manutenção de Forças Militares o tema tem sido muito discutido. Na minha monografia de conclusão de curso, na minha pesquisa realizada no Japão e nos meus últimos artigos acadêmicos eu tratei bastante desse tema. Não vou repetir aqui o conteúdo dessas pesquisas, mas vou reforçar minha posição:

Sou a favor da Constituição Japonesa do jeito que ela é, com as proibições que ela apresenta, com o núcleo pacifista interpretado da forma como foi até alguns anos atrás: o Japão tem direito de auto-defesa, pode manter uma força de auto-defesa em território japonês que se diferencia de um exército tanto pelo status civil de seus membros como pelo seu aparelhamento eminentemente defensivo.

Essa interpretação durou muito tempo, mas o próprio governo do LDP flexibilizou isso ao arrepio da Constituição e de sua própria interpretação oficial ao enviar as tropas ao Iraque. Agora o Tratado com os EUA está sendo revisto para permitir a chamada auto-defesa coletiva, permitindo que o Japão adote postura ofensiva caso os EUA sejam atacados dentro dos termos de proteção do acordo.

Para piorar, o LDP (Jimintou) tem apoio do “Minna no Tou” e do “Ishin no Kai” para promover a alteração constitucional do art. 96, reduzindo o quórum necessário para aprovar emendas constitucionais. Com esse apoio ele já teria 2/3 da Câmara Baixa, se o Minshutou (DPJ), bem enfraquecido na última eleição, entrar no jogo político e apoiar a idéia, temo que logo a Câmara Alta também atinja 2/3 de apoio.

A idéia é fazer tudo isso ainda este ano, ou seja, 2013 pode marcar o ano em que o Japão abandonou o pacifismo, criando novamente um exército, e abandonou a democracia, mudando as regras do jogo constitucional para facilitar a conveniência política das emendas.

A única coisa entre os partidos conservadores e essa mudança é o povo. A Constituição prevê a necessidade de votação popular para aprovação de emendas constitucionais. Durante décadas não existiu lei que regulasse esse procedimento, mas o diploma legal está em vigor desde 2008, se não me engano. E isso na verdade é uma das coisas boas em toda essa crise institucional e constitucional, ver que a população tem o poder direto de decidir a polêmica. Durante muito tempo o governo interpretou a Constituição como bem entendeu, e durante muito tempo o judiciário foi omisso quanto ao tema. É hora do povo decidir, e eu gosto de imaginar que a população japonesa vai escolher a paz e a defesa da constituição. Entretanto, se não o fizer, ao menos sabemos que as pessoas assumem a responsabilidade pelas mudanças.

Um pouco de política

Após a Segunda Guerra Mundial, durante a ocupação norte americana no Japão, diversas bases militares foram contruídas ou ocupadas em caráter provisório, e posteriormente, em função da cláusula de renúncia a guerra no art.9º da Constituição Japonesa e dos Tratados de São Francisco e de Mútua Cooperação e Segurança a United States Forces of Japan se tornou responsável pela segurança do país, assumindo definitivamente algumas dessas bases.

No campo da política talvez o principal assunto presente nos jornais japoneses ultimamente se refere base aérea de Futenma, operada pelos Marines americanos.  Quando o atual Primeiro Ministro foi eleito, dentre diversas promessas de campanha não cumpridas, prometeu mover a base áerea de Futennma para fora da ilha de Okinawa, ao sul do Japão, e semana passada a insatisfação popular chegou ao ápice quando foi definido que a base continuará na ilha, ainda que sendo transferida para uma região mais distante da atual, que fica em uma zona residencial.

O tema sempre foi muito polêmico, afinal são diversas bases americanas em solo japonês, o que não apenas mexe com o orgulho da população como representa riscos à segurança tendo em vista que muitas se localizam em zonas residencias. Esses riscos não se referem apenas a possibilidade de acidentes mas também ao fato de serem possíveis alvos em caso de Guerra. O problema de Okinawa sempre foi o mais sério pois aproximadamente 20% de seu território é ocupado por bases americanas que representam um incomodo enorme para a população. Bem próximo da Universidade de Soka (próximo o suficiente para ouvir sirenes, talvez 3 ou 4 km) fica a base da Força Aérea Americana, Yokota, e quando os aviões enormes (normalmente Lockheed Hercules) ou helicópteros partem ou chegam o barulho é realmente alto, bastante incomodo…

Mas voltando ao assunto, após muitas tentativas de retiradas dessas bases, como eu disse anteriormente, os esforços fracassaram, desgastando ainda mais a imagem do primeiro ministro. Desde que cheguei aqui quando pergunto a opinião das pessoas sobre Hatoyama (sim, eu pergunto isso) as respostas são sempre as mesmas: “ele é mentiroso”, “não acredito nele, não mantém as promessas de quando foi eleito” e coisas do gênero. Esse caso só veio reforçar esse tipo de postura, que é tão generalizada a ponto que o próprio Governandor de Okinawa declarou que ele e a população se sentiram traídos e desapontados. Uma escolha de palavras bastante forte dentro da cultura japonesa, ainda mais depois do Primeiro Ministro ter pedido desculpais formais a todos.

No final das contas é possível identificar muitas semelhanças e diferenças entre a política japonesa a partir desse caso. Dentre as principais semelhança que observei é que o povo daqui também não confia nos políticos, se bem que em uma dimensão mais relacionada a falta de palavra e menos em relação a sensação de serem roubados, mas no campo das diferenças algo interessante é que, diferentemente do Brasil, onde o Presidente é sempre blindado nos escândalos, aqui o Primeiro Ministro recebe toda a carga de críticas, não se fala de outros políticos, apenas dele. Mas antes que alguém pense que isso é bom, já digo que não é. Por trás do primeiro ministro há não apenas uma série de outros políticos responsáveis pela situação do país, assim como muitos burocratas que tomam e executam decisões com a mínima transparência (as semelhanças retornam…) mas o povo acaba se contrando em apenas uma pessoa. Ainda por cima a sensação de impunidade é a mesma, ano passado foi revelado que Hatoyama recebeu financiamente ilegal em sua campanha, boa parte doações de sua mãe (antes que eu me esqueça, ele é de uma dinastia de políticos, seu avô foi primeiro ministro inclusive) mas a promotoria decidiu arquivar o caso por falta de provas…

Nós temos uma tendência a pensar que no Japão tudo funciona na mais perfeita harmonia, honestidade e etc mas no final das contas existem muitos escandalos, muita coisa feita por debaixo dos pano também. Eentretanto a grande maioria dos atos do governo é feito corretamente e com muita eficiência, os burocratas e tecnocratas tendem a ser escolhidos com base em sua capacidade e formação (apesar de que esse critério geralmente se refere a Universidade em que a pessoa se formou, ou seja, se valoriza mais teoricamente o potencial do indivíduo do que na prática, mas esse é um problema a ser tratado depois). Me parece que os japoneses são mais capazes de fazer vista grossa a certos escandalos de corrupção do que a escandalos de incompetencia. No final das contas os dois elementos costumam ser correlatos, mas o foco neste e não naquele talvez faça alguma diferença…

O Japão é um país bastante elitista quando se refere a política,dinastias de políticos são comuns, propagando política muitas vezes remete ao sobrenome conhecido ou a universidade em que a pessoa se formou (já vi um cartaz que dizia algo como “Vote em alguem que se formou na Universidade de Tokyo, vote em …”). É um sistema que funcionou, mas começa a apresentar falhas em todas as áreas da sociedade, afinal, esse elitismo político reflete práticas comuns na sociedade. A política começa a apresentar mais escandalos que antigamente, a industria enfrenta crises pela falta de concorrência, já que as licitações são viciadas pelo sistema Dango (ilegal diga-se de passagem, mas que existe desde antes do século XVII), no qual as companhias (todas antigas) combinam entre si quem vai vencer o processo licitatório e qual preço será oferecido (sim o Japão é o pai desse tipo de fraude)… Enfim, os sinais de que o Japão precisa mudar logo e drasticamente estão cada vez mais claros, as sucessivas crises são prova disso…