Por que estudar japonês?

Quem quiser saber o que esse kanji significa e o que está fazendo aqui (e não tiver paciência para ler o texto inteiro), vá para os últimos parágrafos

Quem quiser saber o que esse kanji significa e o que está fazendo aqui (e não tiver paciência para ler o texto inteiro), vá para os últimos parágrafos

O título do post parece bastante amplo, então é melhor esclarecer do que se trata. Não é um post motivacional, não tem necessariamente dicas, sugestões e nem é um guia para incentivar as pessoas a estudarem japonês. Esse post, na verdade, é exatamente a mesma coisa que o título, um grande questionamento: Por que as pessoas estudam japonês? Por que dedicar anos, décadas estudando esse idioma? A resposta que vou dar é bastante pessoal.

Acho que meu primeiro contato com a língua com a intenção de estudo foi uns 10 anos atrás, com aqueles revistas de anime que ensinavam hiragana, katakana. Então, 10 anos depois aqui estou eu, novamente enfiado em livros didáticos tentando aprender e apreender mais uma infinidade de nuances gramaticais, agora para fins acadêmicos. Por que algumas pessoas (como eu) mantém essa dedicação por tanto tempo, outras desistem no começo, e outras desistem no meio, quando a coisa começa a ficar boa.

Não vou ficar conjecturando sobre os outros, talvez o meu caso, meus obstáculos e a forma de superá-los se apliquem a muita gente. Comecei a estudar japonês naquele período inicial de “boom” de mangas e animes no Brasil, ainda não era fácil de achar todo tipo de material em português, então volta e meia me deparava com algo em nihongo, especialmente jogos e shonen jumps. Então, meu estímulo inicial foi igual ao meu estímulo para aprender a ler em português (queria entender umas revistas do tio patinhas que encontrei em casa) e em inglês (lembro claramente de querer entender os “files” de Resident Evil 2).

Acho inclusive que esse estímulo deve ser o mesmo para 80% de quem começa a estudar a língua. Mas quanto tempo dura isso? Para a grande maioria, até perceberem que diferente de inglês, francês, alemão, a leitura das coisas não vai fluir depois de 1 ou 2 anos, vai demorar muito tempo. Alguns mantém o estímulo, mas com faculdade, trabalho, é difícil dedicar tanto tempo e dinheiro para uma diversão que tende inclusive a deixar de ser tão divertido (eu pelo menos passei anos sem paciência para anime e manga).

O meu segundo estímulo foi acadêmico. Poderia aperfeiçoar meu conhecimento do idioma e realizar pesquisas da minha área em japonês. Esse estímulo foi interrompido precocemente. Se já era difícil pesquisar em português, sobraria espaço para japonês, e quantos anos seria necessário para entender tão bem o idioma? Fiquei um bom tempo desacreditado na faculdade, até retomar com a chance da bolsa para Soka.

Depois de Soka mantive o ímpeto por conta da monografia que dependia da leitura acadêmica (era capaz de ler, sim, mas sei que estava longe de ser uma leitura verdadeiramente fluente). Depois disso precisava de novo impulso. Veio o estímulo profissional, a possibilidade de conseguir clientes a partir do idioma, mas nunca consegui engrenar a ideia. Veio então o concurso para tradutor juramentado, me dediquei mas ainda faltava a capacidade não apenas de ler e entender bem, que havia cultivado, mas a capacidade de me expressar.

Atualmente, com a ida à Universidade de Tokyo, todos esses estímulos voltaram com força total, o primeiro do entretenimento, me anima a assistir filmes, ler livros, até retornei um pouco aos mangas e animes. O estímulo acadêmico dispensa comentários, e a possibilidade de ter aplicação profissional do idioma me dá um fôlego a mais também.

Entretanto, por trás de todos esses estímulos, percebi que existe outro, que no fundo percebo que é, para mim, o mais importante, o que está presente em todos e que existe por si mesmo, que é o prazer em aprender outros idiomas, mas não só no clichè de se comunicar com outras pessoas e conhecer outros países, digo o prazer de aprender mais sobre a linguagem, as formas como ela se manifesta, a forma como o idioma influencia não só a expressão, mas a própria forma de pensar, a riqueza que uma palavra ou uma expressão que transmite algo inexprimível na língua pátria, um sentimento, um estado de espírito que nunca conseguimos expressar em português e de repente está ali, perfeitamente formado em outra língua . É o estímulo da mais pura curiosidade linguística. Talvez para quem estude letras, linguística, isso seja o óbvio, e tudo que eu disse certamente tem seus termos técnicos, milhares de estudos. Mas para um leigo é fascinante descobrir por si mesmo.

No caso do japonês esse estímulo é ainda mais rico se pensamos nos kanji, sua composição, as idéias que que os originaram e as ideias que expressam. Quase todo dia pego o dicionário e fico fascinado. Ontem estava pensando em um kanji muito simples, 栄, “prosperar”, que seria supostamente a imagem de uma fogueira iluminando as árvores em volta. Seria então “prosperar” a capacidade de se tornar algo ou alguém que ilumina o que há em nossa volta? E glória, 栄光 (prosperar + luz), seria ela na cultura oriental quando o nosso “prosperar” é iluminado e portanto reconhecido pelos outros? Essa conjecturas são muito estimulantes e cultivam a própria capacidade de refletir sobre o pensamento oriental (acho até que vou começar a fazer essas conjecturar sobre kanji mais frequentemente no blog)

Enfim, no fundo é essa curiosidade sobre língua, cultura,  forma de pensar inerentes à linguagem que me incentivam a continuar estudando os detalhes da língua japonesa. E talvez o que falte para muita gente conseguir avançar nessa língua é encontrar algo simples mas que incentive o próprio processo de aprendizado. Querer ler e entender, conversar e ouvir é legal, mas isso é resultado, consequência de um processo. É preciso apreciar a travessia.