Nihongo: do básico ao N1 – Parte 2

Na parte 1 dessa série Nihongo: do básico ao N1 (link para a parte 1 aqui) falei do início do aprendizado, de algumas técnica e dificuldades iniciais e do que denominei “crise dos três anos”, na qual o estudante estudou muito e parece não saber nada.

Na parte 1.5 (link aqui) falei em maior detalhe dos dicionários.

Nessa parte 2 vou falar do confronto com a crise de aprendizado intermediário, sua superação, e na parte 3 falarei da preparação para o JLPT N1(Japanese Language Proficiency Test, 日本語能力試験, Exame de Proficiência em Japonês e etc…) de forma mais específica

1) Domínio do básico

Quem quer sair do nível básico do japonês e entrar em um nível intermediário (não no parâmetro dos cursos, mas de entendimento), precisa ter um domínio dos conceitos, conjugações, vocabulários básicos do idioma. Parece óbvio, mas não é para muitos. Alguns estudantes querem compreender nuances complexas da língua sem saber “de cabeça” questões elementares da gramática como forma -te, passado, grupos verbais e etc… Mas por saber de cabeça não quero dizer necessariamente saber explicar a regra, mas sim saber aplicá-la automaticamente. Assim como conjugamos em português sem ficar pensando na tabela de conjugação, é preciso chegar nesse nível automatizado no japonês.

O problema é, como fazer isso? Em certo ponto eu estava lidando com materiais e livros com estruturas e vocabulários complexos, conseguia superar esses textos, mas o conhecimento não se fixava, não atingia fluidez, facilidade, sempre tinha que consultar novamente as palavras não tão novas, decompor algumas conjugações para entender determinada expressão (em vez de identificar automaticamente dentro da própria palavra conjugada). Além de tudo isso, o volume de kanji, subindo para 500, 600 se tornava impossível para mim. Enfim, não bastava conhecer o idioma, era preciso internalizá-lo.

2) Como internalizar? Anki.

A maioria das técnicas tradicionais (materiais didáticos, repetições e etc) tiveram um limite para mim. Eu precisava ter contato com materiais novos, livros, filmes sem legenda, artigos científicos, mas isso só é possível se essas atividades fluírem, ninguém aguenta, depois de 3, 4 anos de idioma, gastar 30 minutos para ler uma página, ou se iludir de que entendeu completamente um diálogo de programa de TV.

A solução que encontrei foi o Anki, um software gratuito de flash cards que mudou minha perspectiva de aprendizado de idiomas (já escrevi bastante sobre esse programa nesses posts aqui, em detalhe, aqui falarei de forma mais geral). Mas não um uso aleatório do programa, primeiro passei 1 mês lendo sobre esse programa, sobre seu percursor Super Memo, qual a lógica de seu funcionamento, quais as melhores formas de elaborar cartas. Dividi então o aprendizado em 3 fases: Método Heisig, notícias, materiais de interesse.

   a) Método Heisig

O método Heisig é um método criado por James Heisig no livro Remembering The Kanji. A ideia do primeiro volume é simples, estudar 3000 kanji a partir do significado “deduzido” da história contada pelo desenho do kanji e seus radicais, ignorando as diversas leituras do ideograma. A lógica é que, ao tentar decorar as leituras e a forma de escrever você acaba se sobrecarregando de informações. É mais fácil aprender primeiro significados e as formas, tendo visto todos os kanjis, acaba a sensação de surpresa, você percebe que existe uma padrão de repetição de formas, e depois, considerando que as leituras em grande parte das vezes tem relação com os radicais, se torna muito mais fácil memorizá-las. (se houver interesse no método, comentem que escrevo mais sobre isso)

Na época estabeleci a meta: em 3 meses colocaria no Anki 2000 kanjis, criaria minhas próprias frases (para facilitar a memorização), dedicação exclusiva ao significado, e sempre com um papel do lado, escrevendo TODOS os Kanjis, inclusive nas revisões. Foi um período bem pesado, com pelo menos duas horas por dia inserindo cartas e revisando. Seguem dois exemplos de carta que fiz:

Como o kanji 大 significa grande e os 口 parece caixas, a frase faz sentido para mim.

Como o kanji 大 significa grande e os 口 parece caixas, a frase faz sentido para mim.

anki planice

Como 原 significa campo, planíce, e temos o radical de água do lado, fica mais fácil de lembrar, desde que conhecendo bem os elementos que compõe o Kanji.

b) Notícias

Familiarizado com uma base considerável de significados de kanji, passei a testar esse novo conhecimento com notícias, por meio de uma seleção diária em jornais como Yomiuri e Asahi, selecionando frases com palavras que considerava essenciais no aprendizado. Conhecendo o significado de muitos ideogramas, me restava apenas aprender a leitura e compreender as sutilezas do uso da palavra. Esse método tem a vantagem de ser rápido. Ctrl-C na notícia, Ctrl-V no Anki e pronto, você já tem a leitura automaticamente no programa (conforme tutorial que fiz no blog). Para as palavras desconhecidas, copia-e-cola no dicionário do yahoo.jp e pronto, já tinha além do significado em inglês, significado em nihongo e muitas frases de exemplo. O avanço no vocabulário e a melhoria na velocidade e fluidez da leitura foi visível em pouco tempo.

Trecho de uma notícia. Na frente da carta a frase retirada do jornal, no verso a leitura dos kanjis e com asterisco o significado tirado do dicionário de "kokugo" do yahoo.

Trecho de uma notícia. Na frente da carta a frase retirada do jornal, no verso a leitura dos kanjis e com asterisco o significado tirado do dicionário de “kokugo” do yahoo.

c) Materiais de Interesse

Por materiais de interesse considerei em primeiro lugar materiais de entretenimento: Filmes, Anime, Jogos (para quem gosta, música deve ser uma ótima forma). É um excelente método para a fixação dos conteúdos, mas é mais demorado que cópia das notícias porque, via de regra nesses caso é preciso, no caso de um filme ou anime, captar bem o diálogo, por exemplo, e transcrever, ou no caso de um jogo é preciso passar o texto para o anki, e nesse caso se você não sabe a leitura do Kanji vai perder algum tempo a mais com o dicionários de kanji (ou denshi jisho) para aprender a leitura.

Com base nessas “técnicas” consegui estabelecer um regime de estudo autodidata, que levei comigo para o Japão, onde o contato e internalização o idioma passou ao regime 24h. É sobre essa fase, e sobre os estudos específicos para o JLPT que vou falar no próximo post da série.

Nihongo: do básico ao N1 – Parte 1.5 – Dicionários

Antes de falar sobre a mudança de método no, digamos assim, meio do caminho de estudo do idioma japonês, acho que vale a pena entrar em alguns detalhes dos dicionários, pois percebi que muita gente não usa materiais de qualidade ou não conhecem algumas ferramentas essenciais no aprendizado.

Diferente da maioria dos idiomas, em que um único dicionário básico é suficiente para “encaminhar” o aprendizado, no Nihongo acredito que existem vários tipos diferentes que cumprem funções distintas no estudo, vou indicar meus preferidos:

1) Dicionário Prático Japonês-Português Michaelis

Michaelis

Esse é o dicionário padrão do estudante, tem uma quantidade enorme de verbetes, difícil encontrar uma palavra que não esteja lá com uma quantidade bem razoável de significados. Ele supre a função básica de busca de palavras, mas no caso do nihongo isso não é suficiente, a falta de exemplos ou de definições mais completas faz com que esse dicionário não seja bom para os iniciantes. O idioma japonês tem muitas palavras com significados iguais, mas com usos diferentes, e quem não está acostumado com essa característica pode acabar fazendo um uso confuso desse dicionário. Recomendo como instrumento de consulta em leituras mais intermediárias e avançadas, mas não na compreensão de palavras e expressões mais comuns para quem está começando, que deveria usá-lo apenas para tirar as dúvidas de palavras mais complexas.

2) Dicionário Básico Japonês-Português da Fundação Japão

Fundação

Diferente do Michaelis, esse dicionário tem poucos verbetes porém possui vários exemplos, é um dicionário que ensina o estudante a usar as palavras e expressões e a compreender as nuances dos diferentes usos das palavras básicas do idioma. Foi muito útil nos primeiros anos. É ótimo para quando você conhece a explicação da diferença de certas palavras mas quer ver essa sutileza exemplos simples e objetivos.

3) 小学生の新レインボー漢字読み書き辞典 ー改訂カラー版ー (o famoso “bananão”)

bananao

Dicionário de Kanji excelente para dominar o alfabeto. De tão colorido e psicodélico dá vontade de olhar por diversão, mas como ferramente de estudo tem uma série de características indispensáveis: número de traços, diferentes leituras, diversos significados, frases de exemplo, origem do Kanji, pontos para tomar cuidado, charadas no final da página para descontrair… Além disso, utilizar algo totalmente em Nihongo mas que tem algo de básico em seu uso começa a acostumar o estudante a não ter medo de encarar material nativo. É um dicionário bastante amigável em facilidade de uso, apesar de inicialmente parecer meio bagunçado.

4) 漢字そのまま楽引辞典 DS

ds

Como eu não tenho Denshi Jisho, recomendo essa alternativa do DS. É um dicionário absurdamente completo, insuperável na quantidade de exemplos e na qualidade da distinção dos usos das palavras. A grande vantagem é ser ao mesmo tempo dicionário japonês-inglês, inglês-japonês e principalmente kokugo, ou seja, japonês-japonês. Não existe outra forma de dominar o idioma japonês senão buscando compreender o significado das palavras na forma como ela é explicada para o falante nativo. Além disso, para o reconhecimento dos ideogramas é preciso escrever sempre na ordem certa, o que funciona como uma forma muito boa de forçar o usuário a decorar a ordem correta de escrita dos kanji, hiragana e katakana. A principal desvantagem é a bateria curta do DS.

5) Dicionário do Yahoo.jp (http://dic.yahoo.co.jp/)

Outro dicionário excelente, mesmas qualidades do DS, e tem também dicionário de sinônimos, enciclopédia e etc. Talvez não seja tão intuitivo para quem não está acostumado com ambientes virtuais totalmente em nihongo, mas vale o esforço, afinal o estudante está querendo aprender nihongo de brincadeira ou quer usar o idioma na vida real?

6) Rikaichan/kun

O dicionário mais útil e de fácil uso já criado. Esqueça aquela coisa arcaica de ficar virando páginas, e até mesmo o arcaísmo virtual que é digitar a palavra no campo de busca. O Rikaichan (para firefox) e Rikaikun (Chrome) funcionam na base do mouse, você “toca” a palavra e ele te dá os significado do todo e de todos os componentes da palavra, aperte enter e ele apresenta uma análise completa dos kanjis que compõe o termo, mais um enter e ele ativa o dicionário de nomes, uma grande mão na roda para tentar advinhar a leitura, e o melhor de tudo se for nome de cidade, ou se for alguém mais ou menos famosa, você ainda recebe uma definição semelhante a um verbete de enciclopédia.

Outra característica incomparável desse dicionário é que, além das palavras, ele identifica expressões idiomáticas e provérbios, algo de uma utilidade indescritível, considerando que os japoneses usam muito isso e os estudantes de nihongo nem sempre identificam a existência de uma expressão em determinado contexto, e acabam levando a frase ao pé da letra. Além de toda essa completude, essa ferramente permite que qualquer um se familiarize com sites japoneses e torna a leitura de qualquer texto muito dinâmica, afinal, em vez de pegar uma notícia e ficar buscando palavra por palavra, interrompendo o ritmo de leitura, o leitor consegue ter um contato muito fluído mesmo com textos difíceis. Considerando a existência de muitos livros japoneses em html na internet, serve até para avançar na literatura. A desvantagem disso é que muitas vezes a fixação da palavra na memória vem justamente do esforço de buscar ela no dicionário, com essa facilitação de busca é bem comum que a pessoa nem olhe a leitura do kanji, e simplesmente leia o significado sem se fixar na palavra original.