Carlos Ghosn: Presidente, CEO, Conselheiro ou Diretor? Entendendo os cargos e a governança das empresas japonesas a partir do escândalo da Nissan

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A recente prisão de Carlos Ghosn levanta muitas questões sobre a governança da Nissan. Mas para muita gente gera dúvidas mais “mundanas”. Qual a diferença entre os cargos de CEO, presidente ou diretor? Qual era a função de Ghosn? Como é a administração da Nissan e das empresas japonesas?

Neste artigo, publicado no Grupo de Direito Comparado Brasil-Japão, tento explicar alguns desses temas.

Carlos Ghosn: Presidente, CEO, Conselheiro ou Diretor? Entendendo os cargos e a governança das empresas japonesas a partir do escândalo da Nissan

Mestrado no Japão

Arvore

Nada como uma foto do campus para ilustrar o post sobre o mestrado. Afinal, o local em que se estuda é parte integrante da experiência.

1) Enrolações iniciais

Então, em ocasiões anteriores já falei sobre meu período como pesquisador no Japão (aqui), já falei sobre o processo seletivo do MEXT (aqui), sobre o projeto de pesquisa (aqui), e agora chegou a vez de falar um pouco sobre como é o mestrado no Japão. Claro, é o mestrado em Direito, por si só bastante peculiar, provavelmente mais semelhante a outros cursos das humanas e sociais aplicadas, com uma sistemática bem diferente das exatas e biológicas, mas pode servir de noção para quem quer tentar o MEXT e não entendeu bem a diferença entre o pesquisador e o mestrando.

Pois bem, via de regra, o aprovado no processo seletivo do MEXT vem ao Japão como pesquisador. Esse período varia muito de instituição para instituição e de departamento para departamento. Em alguns locais é só um período para estudar japonês até a pós-graduação começar. Em outros é um período de preparação para o exame oficial de ingresso na universidade e pode variar de 6 meses a 2 anos.

No meu caso foi uma mistura de preparação para o ingresso no mestrado, ambientação e um período para conhecer as aulas, professores e o perfil do curso. É bom lembrar que apesar do edital do processo seletivo do MEXT dizer, de forma geral, que não é preciso saber japonês, em cursos como direito o idioma é imprescindível na maioria das universidades, e a fluência prévia é necessária. Não adianta achar que o curso de 6 meses vai dar conta de suprir esse requisito.

2) Do projeto de pesquisador ao projeto de mestrado

O projeto que eu apresentei quando fui selecionado pelo MEXT tratava de uma pesquisa sobre o regime jurídico dos sistemas financeiros em períodos pré e pós crise. Chegando aqui, o tema no período como pesquisador foi reduzido, e tratei apenas do regime jurídico de independência (ou dependência) do Banco Central do Brasil e do Banco do Japão. Escrevi uma artigo de 20 páginas sobre isso e não apenas senti que estava num beco sem saída, com dificuldade de expandir para o mestrado, como também percebi que essa linha não era adequada ao perfil dos professores.

Diferente dos cursos de exatas, em que existe um laboratório, e os laboratórios tem um professor e uma linha de pesquisa, o Direito é um curso muito mais individualista. Me deram toda a liberdade de escolher o tema, mas considerando as aulas que frequentei, as linhas de pesquisa mais comuns, os temas mais polêmicos no Japão e a área de especialização dos professores, acabei modificando bastante meus planos. Em menos de 1 ano e meio apresentei 4 projetos, que começaram no sistema financeiro e chegaram agora na governança corporativa. Ou seja, os aprovados pelo MEXT não devem esquentar muito com o projeto inicial, pois  a tendência é mudar bastante.

Mas saindo dessa introdução, vamos ao que interessa, como é o mestrado?

3) Requisitos para conclusão

O grande objetivo, obviamente, é obter o título de mestre. Para tanto são necessários 22 créditos de aulas (cada aula em geral tem 2 créditos e duram um semestres, mas algumas pode fornecer até 4 créditos no semestre), 8 créditos de orientação e uma tese de mestrado.

4) As aulas

O aluno tem total liberdade para escolher as aulas, mas só valem créditos aquelas no seu programa. Por exemplo, o meu departamento tem 3 programas que coexistem, o de Direito Positivo, de Política e de Fundamentos do Direito. Eu posso frequentar todos, mas só aulas de Direito Positivo me rendem créditos.

Meu plano foi concluir os créditos de aula no primeiro ano, então pensei na extensão da grade com isso em mente. A título de curiosidade, no primeiro semestre estou cursei as seguintes disciplinas:

a) 商事判例研究会(Grupo de Estudos de Precedentes de Direito Comercial),

b) Introduction to Japanese Law in English,

c) 会社法の研究 (Seminário de Pesquisa em Direito Empresarial),

d)国際ビジネス法 (Direito dos Negócios Internacionais),

e) 比較証券市場法 (Direito Comparado dos Mercados de Capitais);

No segundo semestre as aulas foram:

a) 商事判例研究会(Grupo de Estudos de Precedentes de Direito Comercial),

b)  会社法研究 (Seminário de Pesquisa em Direito Empresarial  – nesse ano voltado aos precedentes do estado de Delaware),

c)  国際契約交渉 ( Negociação de Contratos Internacionais: uma “disputa” entre equipes de Tóquio e da Universidade de Washington),

d)  企業法務 (Assuntos legais in-house de grandes corporações),

e)  法と行動経済学 ( Economia Comportamental e o Direito)

Diferente da graduação, quem tem aulas no estilo tradicional, a maioria das aulas no mestrado são seminários com poucos alunos. Nesses seminários cada aluno é responsável por uma ou mais aulas, geralmente com tema, jurisprudência e referência bibliográfica definida pelo professor. A nota tende a ser composta pela apresentação e por um relatório entregue ao final, além da presença nos seminários. Já nas aulas normais a nota é composta por presença e por uma prova.

5) Perfil do conteúdo e comportamento em aulas

Considerando se tratar de uma pós-graduação, as aulas não costumam ser exposições básicas sobre os temas, mas sim uma abordagem de questões muito mais específicas, logo, a leitura antecipada dos textos é essencial. Não há em geral no Japão a cultura norte-americana do cold call, os professores não forçam os alunos a responder nada, apesar de que nos seminários são convidados e incentivados a participar.

É interessante que nas aulas comuns ninguém costuma se manifestar ou fazer perguntas, todo mundo senta no fundo da sala e se esconde. Já nos seminários apresentam um perfil mais participativo. Isso também varia bastante conforme o local da aula (no caso do Direito, a Law School tem um perfil mais pró-ativo, e o mestrado e doutorado mais … contemplativo).

A impressão geral foi de que tive um aprendizado enorme. Em meio a uma maioria esmagadora de japoneses, alguns pouquíssimos asiáticos, e sendo o único não asiático no departamento, consegui ser tratado como um igual. Tive sorte, talvez, de ter tido professores dedicados e colegas excelentes, então aquela imagem que muita gente passa de que o mestrado no Japão não é muito exigente e o conteúdo é fraco ficou distante da minha experiência. Isso também ilustra a importância de se procurar uma boa instituição de ensino e um departamento sério em um intercâmbio, não por conta do nome que vai constar em seu diploma, mas pelo tipo de ensino e interação acadêmica, duas coisas que podem ser completamente comprometidas quando não estão em primeiro lugar na lista de prioridades da instituição.

Depois de um ano, estou satisfeito e a partir de agora quero repensar e compartilhar a experiência e conhecimento adquiridos.

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Daqui para frente pretendo falar em posts individuais sobre as aulas, dar maiores detalhes sobre minhas impressões específicas sobre professores, alunos, como minha forma de estudar e de entender o Direito mudou, e principalmente, como eu avalio a experiência do mestrado no Japão.

Bolsa de Estudos do MEXT (Monbukagakusho) – Como e Porque estudar no Japão

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Agora que sou oficialmente bolsista do MEXT, e tendo conversado com outros bolsistas, passado por todo o processo seletivo sempre refletindo sobre o seu funcionamento, acredito que posso dar dicas e fazer uma breve explicação de como é possível obter a Bolsa do MEXT e porque vale muito a pena estudar no Japão.

A Bolsa do MEXT é uma bolsa de estudos oferecida pelo Ministério da Educação do Japão para curso técnico, graduação e pós graduação a partir de um processo seletivo que se inicia por meio dos Consulados no Brasil, passa pelas Universidades e pelo Ministério da Educação em uma forma de ingresso universitário chamado Ingresso por Recomendação. A bolsa tem um valor de cerca de 145 mil ienes por mês, paga passagem de avião de ida e volta e isenção das taxas escolares, e pode durar a pesquisa, mestrado e doutorado. Creio que é a melhor bolsa disponível para qualquer país, e isso já é um bom motivo para ir ao Japão. Não é preciso saber nada sobre o país e, via de regra nada do idioma, ou seja, não é preciso ter medo, é preciso tentar.

Tendo sido aprovado na Pós-Graduação pela representação de Curitiba, minha experiência é voltada a esse processo em específico, mas creio que em grande parte as dicas valem para qualquer lugar. Para informações sobre o que faz um pesquisador em seu primeiro ano do Japão, escrevi um post sobre isso: https://eduardompa.wordpress.com/2014/04/21/atividades-de-pesquisa-na-universidade-de-tokyo/

A primeira coisa a se fazer é acessar o site do Consulado em sua jurisdição e ver as informações, datas e ler atentamente o Edital. Segue o link da página do Consulado de Curitiba: http://www.curitiba.br.emb-japan.go.jp/bolsa1.html

As inscrições começam dia 2 de maio e terminam dia 29 de maio. É preciso preparar uma quantidade grande de documentos então melhor não deixar para última hora. O Consulado de Curitiba ainda realiza palestras explicativas da bolsa (as datas estão aqui http://www.curitiba.br.emb-japan.go.jp/press/20140407press-palestra-mext-pt.pdf) e atendimento pessoal com o Orientador das bolsas nas seguintes Datas: 17 (qui), 25 (sex) e 30 (qua) de abril Horário: das 14:00 às 17:30. É importante dominar bem as informações oficiais, e essas são as melhores fontes e não vou ficar mastigando a informação já disponível. O pessoal do Consulado é extremamente atencioso e competente, e as informações que fornecem já podem ser suficientes para muitos candidatos. O que vou falar agora são algumas dicas do processo de Research/Graduate Student que acredito podem ajudar na aprovação, ou pelo menos esclarecer melhor quem se sente meio perdido.

1) As provas

Não existe segredo para a prova do processo seletivo. A de inglês é absolutamente obrigatória e lembra muito o TOEFL, ou seja, não exige muito estudo e sim um conhecimento mas natural do idioma. A de japonês é opcional, ou melhor, deve ser feita, mas a nota não é tão relevante (porém de acordo com o próprio edital áreas que exigem o domínio da língua como Direito e Literatura tornam essa prova muito importante). Alguns modelos de provas até 2010 estão no seguinte site, e creio que é o suficiente para estudar: http://www.studyjapan.go.jp/en/toj/toj0308e.html

* No último ano caíram alguns kanji para escrever, diferente das provas modelos, então é sempre bom dar uma praticada

2) Projeto de Pesquisa

O projeto de pesquisa é, aparentemente, a parte mais importante. O ideal é já ter algo bem pensado bem antes do processo seletivo. Na hora de pensar em um tema é importante ter em mente algumas coisas:

a) Porque essa pesquisa deve ser conduzida no Japão?

b) Existe espaço para essa pesquisa no Japão?

c) Existem Universidades e Professores que orientem esse tipo de estudo?

Para solucionar essas dúvidas existem vários sites para busca de teses e Universidades (links ao final do artigo!), mas uma técnica bastante eficiente é enviar emails para Universidades e, especialmente, Professores , explicando que vai tentar a bolsa do MEXT, com seu projeto em anexo, perguntando a opinião deles, se orientariam algo do gênero ou se conhecem alguém interessado. Eu diria que 40% talvez não respondam, mas no meu caso, os outros 60% responderam sempre com muita educação e entusiasmo, alguns explicando porque não podem, outros se mostrando interessados de antemão na orientação. Ter um email desse tipo em mãos pode até não fazer diferença na seleção, mas dá a confiança de que você está no caminho certo, afinal, se um professor japonês quer te orientar você já sabe que seu projeto é viável e é bem aceito no Japão.

Além disso, no ato de inscrição é preciso selecionar três Universidades e três orientadores, e você não quer correr o risco de ser aprovado nas provas e descobrir só depois que os que você escolheu não tem interesse.

3) A entrevista

A entrevista não tem segredo, não tem pegadinha. Se você sabe bem o que quer pesquisar, sabe porque é importante e porque é necessário, nenhuma pergunta vai te surpreender. Não é uma situação para fingir que sabe, para fingir que está preparado. Se você está preparado, se tem condições psicológicas de morar em outros país, conduzir a pesquisa em outro idioma, vai mostrar isso naturalmente. Dito isso, a entrevista é conduzida em dois idiomas, portugues-japonês ou português-inglês, dependendo da sua proficiência. Não dou mais detalhes porque o objetivo da entrevista é justamente testar o preparo, e se alguém já chega sabendo o que vai encontrar em detalhes não vai se expressar de forma genuína.

4) A Fase das Universidades

Acho que é a segunda fase mais tensa de todas. Na hora de enviar sua inscrição você seleciona três Universidades e três orientadores, e se aprovado é preciso enviar a documentação de aprovação ao Japão. Cada Universidade tem um processo diferente. Em algumas a documentação vai para as mãos do orientador e eles faz tudo para você (por exemplo, Tsukuba). Em outras, a documentação é enviada ao departamento, que realiza os procedimentos necessários e um processo seletivo interno (Waseda e Todai, por exemplo). Algumas pedem exatamente a mesma documentação da inscrição, outras, como a Todai, pedem um conjunto completamente diferente de documentos e até mesmo outro formato de Projeto de Pesquisa. Lembro ainda que em Direito as universidades pedem certificado de aprovação no JLPT N1, declaração equivalente ou superior. 

Para saber exatamente como deve fazer basta mandar um email para o departamento de assuntos internacionais da Universidade ou procurar na página dela ou de seu departamento o procedimento MEXT. As Universidades geralmente tem uma página com todas as orientações. (basta colocar no google algo como “Waseda MEXT application”, por exemplo)

Entre o envio da documentação e a resposta demora um ou dois meses, e documentação suplementar pode ser pedida. Por exemplo, Waseda me informou que os três professores estavam indisponíveis, então me deram uma lista mais atual. Ou seja, existe alguma flexibilidade.

Lá por outubro chegam as respostas. No meu caso recebi a resposta de Waseda e Todai quase no mesmo dia. Alguns recebem respostas bem cedo, outros em cima do prazo, não dá para se desesperar (mas admito que mandei emails perguntando, e fui muito bem atendido, nada daquele suposto rigor e terror burocrático japonês haha).

5) A Fase MEXT

Nessa fase o candidato não faz nada, apenas espera, e portanto é a fase mais estressante de todas. É uma espera que dura de Novembro até Fevereiro, e fica em mãos do poder discricionário do MEXT decidir se você vai ou não e para onde vai. Ou seja, mesmo aprovado em tudo, você pode cair nessa fase, e só vai saber no último momento. Mesmo tendo recebido contato da Todai no dia 25 de dezembro (presente de Natal!) me informando que decidiram minha moradia, não sosseguei até receber o telefonema do Consulado no final de Fevereiro.

Essas são as dicas gerais que tenho para dar. Fico a disposição para esclarecer dúvidas na seção de comentários (e cujas respostas serão incluídas no post). Para informações muito melhores e um FAQ excelente, existe uma página no facebook de bolsistas e aspirantes: https://www.facebook.com/groups/443590372369376/ (a comunidade é fechada, então quem quiser participar terá que pedir para que eu adicione).

Dessa mesma página indico os seguintes links de bancos de dados de teses, universidades e professores. Foi a partir desses links que localizei professores com minha linha de pesquisa. Outra forma que busquei foi colocar palavras chaves da pesquisa no google junto com “Japan”. Muitas vezes caí em páginas de think-tanks ou órgãos do governo e eventos com professores especialistas na área, depois é só usar técnicas de google para achar emails e arriscar o contato:

– Guide to Japanese universities and colleges by The JapanTimes:

http://info.japantimes.co.jp/universities/japanese_universities.html#.UoeCipR5y1B 

 

CiNii: sites do CiNii, base de dados do Nii (National Institute of Informatics 国立情報学研究所)

– CiNii Articles 日本の論文をさがす: http://ci.nii.ac.jp/

– CiNii Books 大学図書館の本をさがす: http://ci.nii.ac.jp/books/

 

– ReaD & Researchmap : http://researchmap.jp/ ou http://read.jst.go.jp/

Parecido com a Plataforma Lattes no Brasil, o ReaD & Researchmap é uma base de dados com informações sobre os pesquisadores japoneses.

 

– J-Global: http://jglobal.jst.go.jp/

Assim como o ReaD & Researchmap, o J-Global é uma basa de dados que contém pesquisadores, temas de pesquisa, referências bicliográfias e muitas outras informações úteis.

 

– GeNII NII学術コンテンツ・ポータル: http://ge.nii.ac.jp/genii/jsp/index.jsp

 

– 国文学論文目録データベース: http://base1.nijl.ac.jp/infolib/meta_pub/RBNDefault.exe?DEF_XSL=default&GRP_ID=G0000307&DB_ID=G0000307RBN&IS_TYPE=meta&IS_STYLE=default

 

– 近代デジタルライブラリ: http://kindai.ndl.go.jp/

Atividades de pesquisa na Universidade de Tokyo

Akamon, a mais famosa entrada da UTokyo

Akamon, a mais famosa entrada da UTokyo

Uma das minhas grandes dúvidas sobre minha vinda ao Japão era o significado da posição de Pesquisador. O que posso ou devo fazer, que tipo de categoria de estudante é essa, como se diferencia das outras?

Pois bem, o Pesquisador na Universidade de Tokyo (e creio que nas outras Universidades Japonesas) é formalmente aluno da Universidade, mas em um programa non-degree, ou seja, sem titulação. Posso usufruir da mesma estrutura que os demais estudantes, sou formalmente vinculado ao Departamento de Direito e Política, porém não recebo crédito pelas atividades que desenvolvo. Fui posicionado dentro da área de Direito Comercial, um fato curioso já que no Brasil minha pesquisa, que lida com a Regulação e Organização do Sistema Financeiro, mais especificamente sobre as regras que regem os órgãos ou instituições reguladoras (Banco Central, Agência de Serviços Financeiros e etc) ficaria no Direito Público e não Privado. Ocorre que aqui a regulação do sistema financeiro é uma parte do Direito Financeiro (privado), disciplina mais ou menos encaixada no Direito Comercial por se relacionar com legislação bancária e especialmente de Mercado de Capitais e Valores Mobiliários, dessa forma estou adquirindo conhecimentos não só sobre a organização do sistema financeiro, mas o efetivo reflexo nas atividades privadas.

Departamento de Direito

Departamento de Direito

Aparentemente os pesquisadores se dividem em dois grupos: aqueles que na posição de pesquisador aspiram ao ingresso no Mestrado ou Doutorado, e aqueles que realizam a pesquisa por outros motivos (com mestrado em andamento em outros países, por interesses individuais, profissionais e etc…).

Pertencendo à primeira categoria  tenho a possibilidade de desenvolver melhor meu projeto, e ao produzir um Relatório de Pesquisa considerado excepcional pela banca posso inclusive ser dispensado da prova de ingresso, passando apenas por entrevista. A pergunta, portanto, continua, o que faço nesse período anterior ao processo seletivo?

O pesquisador, ao chegar na Universidade de Tokyo, é acompanhado por um Professor Orientador, responsável pela supervisão acadêmica do aluno, e por um Tutor (aluno do Mestrado ou Doutorado, no meu caso aluno do segundo ano do Doutorado), responsável por auxiliar nas questões da vida acadêmica e pessoal (ir ao Banco junto, ajudar nas questões burocráticas, repartições públicas. Teoricamente ambos auxiliam a vida acadêmica em âmbitos diferentes. O Orientador tem a palavra final sobre a pesquisa, mas o tutor tem competência e (mais) tempo para dar enorme auxílio, seja no desenvolvimento da tese, seja na indicação de livros, seja até mesmo na correção de ortografia.

Cheguei aqui bastante perdido, tirei uma semana para ajeitar a vida, basicamente mobiliar a casa, fazer os registros na autoridade Municipal, Seguro Saúde Obrigatório, Conta Bancária (que já tinha aberto em 2010) e contrato de celular. Sobre esses procedimento escreverei em outra ocasião. O que importa aqui é que após me “assentar”, me consultei com veteranos, meu Tutor e meu Professor sobre o que devo fazer. Tenho duas chances de ingresso no mestrado, e com a dispensa do Curso de Japonês, posso ir direto à preparação para o processo seletivo e à condução da minha pesquisa.

Defini, portanto, que irei acompanhar uma quantidade pequena de aulas, passando mais tempo no Kenkyuushitsu, a sala de pesquisa. Antes de falar das aulas, é interessante mencionar que essa sala de pesquisa é um ambiente de acesso restrito dentro da Universidade no qual tenho meu próprio espaço (mesa, cadeira, e, principalmente, prateleiras) e onde posso passar o dia inteiro conduzindo minhas atividades acadêmicas. Em outros cursos é o chamado Laboratório. Essa sala fica em um ambiente bastante propício para o estudo, dentro do mesmo prédio que outras dezenas de salas de professores, mestrandos e doutorando, e junto com a Biblioteca de Ciências Jurídicas e Políticas. Das 33 Bibliotecas existentes no meu Campus, essa é a que mais utilizo, pois nela tenho autorização de empréstimo de 50 livros (sim, 50!) por três meses. Os 6 andares contém praticamente qualquer obra necessária, e as que não forem encontradas podem ser solicitadas pois a Biblioteca providencia junto à outras instituições e Cmapus. Dessa forma, com base na bibliografia definida no projeto, junto às sugestões dos professores, tutor e veteranos, passo o dia inteiro nesse ambiente realizando leituras e anotações.

Minha mesa na Sala de Pesquisa

Minha mesa na Sala de Pesquisa

Entre esses períodos de pesquisa participo de algumas aulas:

1) Direito Comercial 1 (disciplina de graduação em japonês)

2) Global Securities Market Law (seminário da Pós, em Inglês, coordenado pelo Professor Hideki Kanda, o grande nome no Japão em Direito Comercial, Regulação do Sistema Financeiro e Governança Corporativa. Por sua posição de destaque temos participações especiais, como do Professor Vedat Akgiray, Ex-Chairman da Capital Market Board da Turquia, e teremos em breve a presença do Diretor Jurídico do FMI, Sean Hagan)

3) Lei de Transações e Instrumentos Financeiros (disciplina da Pós, em japonês)

4) Grupo de Estudos de Jurisprudência Comercial e Financeira (formado por Professores de várias Universidades e alunos da UTokyo, são duas decisões judiciais a serem lidas por semana e analisadas por professores na semana seguinte. São temas peculiares como Contratos de Derivativos de Terremotos, Empréstimos Sindicados, e em alguns casos questões mais comuns como ações de reparação de danos contra administradores e auditores)

5) Introduction to Japanese Law in English (nome auto explicativo)

A ideia é não sobrecarregar minha carga horária, introduzir o Direito Japonês e me habituar à linguagem técnica. Assim, minha rotina tem sido em grande parte comutar ao Campus de Hongo (são três trens, 30 minutos de viagem, utilizados para o estudo, inclusive), dedicar o dia à atividade acadêmica e retornar ao apartamento no alojamento, que por ficar a 5 minutos de locais vibrantes como Shibuya e Shimokitazawa permite facilmente que a rotina pesada não se torne estressante.

Shibuya, movimentada o tempo inteiro

Shibuya, movimentada o tempo inteiro

Enfim, essa é a visão geral das minhas atividades no momento. Existem detalhes interessantes dessa rotina que merecem artigos separados, que vão desde o contato com meus colegas de pesquisa (coreanos, taiwaneses e chineses), o conteúdo e a forma como as aulas são conduzidas, o perfil dos alunos e professores (pouquíssimos advogados, por exemplo), mas isso ficará para o futuro.

Penso que os demais Bolsistas do MEXT ( Ministry of Education, Culture, Sports, Science and Technology) na posição de pesquisadores devem ter peculiaridades em suas atividades conforme a área e Universidade, mas em linhas gerais imagino que também há muitas semelhanças, então pode ser que esse (não tão) breve relato esclareça a atividades dos outros Bolsistas pelo país.

Curso Online de Japonês: O Desafio de Erin (エリンが挑戦) – Primeiras Impressões

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Semana passada comecei a testar o curso online de nihongo “Desafio de Erin” (https://www.erin.ne.jp/), promovido pela Japan Foundation. Pelo nível do curso não acho que tenha muito a aprender em matéria de conteúdo, mas não resisto a inovações no estudo de idiomas. Se puder incorporar aos meus próprios métodos ou se puder recomendar e ajudar outros estudantes, já vale o esforço (e no final das contas, revisar o básico e intermediário não faz mal à ninguém). Acabei de começar, fiz apenas a primeira lição, então é o suficiente apenas para primeiras impressões.

Em primeiro lugar o curso se mostra bastante acessível por poder ser cursado em versão bilingue entre japonês e outros sete idiomas (inclusive português). Tem ainda a vantagem de poder ser cursado apenas em japonês, bom para quem tem um nível mais avançado ou está tentando se livrar da dependência de outra língua intermediária no estudo do japonês. Além disso, é mais do que um curso de idioma, contendo muitos aspectos culturais e sociais.

A página inicial pode parecer meio bagunçada bem como a própria estrutura das lições, mas, considerando que revistas, livros e sites japoneses costumam ter essa aparência de bagunça ( em geral pela quantidade de informação e cores), já serve para o estudante aprender a lidar com interfaces tipicamente japonesas.

Pois bem, são 25 aulas que seguem a seguinte estrutura (me baseando apenas na aula 1, talvez haja variações) [a propósito, vou usar os termos do curso em português pois suponho que muita gente vá usar a versão bilingue]:

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1) Diálogo básico: contém um vídeo (com legendas em nihongo, kana, romanji e tradução), script, mangá (repetição do vídeo e de forma bem útil introduz alguma onomatopéia em japonês) e exercícios de revisão.

O curso começa no padrão de outros cursos, あいさつ (apresentação), porém, diferente da GRANDE maioria, esse início tem um ponto extremamente positivo, que é uma apresentação realmente ao estilo japonês. Esqueçam aqueles “Watashi no namae wa …”, “watashi wa….. desu” (sempre falo para quem está começando sobre como essas construções soam extremamente não naturais aos japoneses), a Erin se apresenta como um japonês se apresentaria: ” Erin desu”, sem exageros, sem pronomes que na prática não se usam. O que isso mostra sobre o curso? Que é voltado a uma comunicação real, é voltado às palavras e expressões que um nativo utilizaria.

Outra coisa que observo desse diálogo básico é que o curso pode até ser para iniciantes, mas não para quem está tendo o primeiro contato com a língua. Não há explicações de gramática, não há explicações sobre as flexões típicas do nihongo falado. O curso pressupõe um conhecimento prévio de hiragana e katakana e alguma base da gramática básica. Quem já estuda há alguns meses e quer sentir como é o japonês de verdade sem ser esmagado por um conteúdo muito complexo pode achar um bom aliado nesse curso.

Dito isso, os exercício de revisão são bastante chatos, especialmente pois o input do hiragana é por meio de um teclado utilizado com o mouse.

2) Diálogo Avançado: vídeo, script e exercícios de revisão

Novamente o curso se mostra bem realista, uma conversa informal, jovem, com todas as flexões típicas da linguagem falada, palavras, expressões e comportamentos que você pode de fato encontrar na vida real. Nada daquelas apresentações nada naturais ou diálogos travados.

3) Frases e expressões importantes: novamente um vídeo, explicações e exemplos das frases usadas, mais exemplos em vídeo e exercícios

Depois da introdução puramente intuitiva dos temas da aula, esse ponto trás a explicação mais mastigada, explica a estrutura da frase, chega a ser repetitivo, mas é bom para memorização.

4) O que é isto: apresenta algumas fotos e o estudante tem que adivinhar o que é. Pelo visto o objeto da semana é sempre algo bem japonês, que quem nunca foi ao Japão talvez não reconheça. É seguido por um vídeo explicativo.

Ao menos nessa aula 1, achei a escolha muito interessante, nada daqueles clichês de sushi, hashi, geisha, e sim algo realmente típico do dia a dia do Japão atual. [spoiler] O objeto apresentado de vários ângulos é 自転車置き場, algo muito comum no Japão, que se usa todo dia, mas que certamente não se vê muito no Brasil, especialmente o modelo mostrado nas fotos.

5) Vamos ver: vídeo explicativo que mostra em detalhes algum momento do cotidiano japonês.  Traz explicações bem detalhadas de cada momento do vídeo a partir de fotos e por fim traz um quiz cultural bem difícil, atribuindo rankings como faixa marrom, preta e mestre.

Na aula 1, por exemplo, mostra a manhã de uma estudante de ensino médio do momento que acorda até sair para a aula, focando em detalhes bacanas como a decoração do quarto, tipo de café da manhã e etc. Outra oportunidade em que o curso introduz vocabulários básicos do dia-a-dia

6) Vamos tentar: mais um introdução por meio de vídeo de algo típico do dia-a-dia japonês. No caso da aula 1 é um vídeo explicando e ensinando a troca de cartões (meishi). Não canso de ressaltar que por usar uma linguagem realista, o curso ensina palavras que as vezes passam desapercebidas em muitos cursos. Por exemplo 名刺交換 não é algo que se vê no básico dos livros didáticos, mas 交換 é uma palavra que se usa desde o primeiro contato com os japoneses, (na própria troca de contatos por celular, por exemplo). Então, novamente ponto positivo para esse curso.

7) Aumentando vocabulário:  esse me parece o exercício mais “padrão” do curso, nada que não se veja em outros cursos. Uma imagem (sala de aula, por exemplo) e o nome de cada objeto.

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Portanto, dos pontos positivos que vejo nesse curso é o uso de um nihongo real, que soa natural aos japoneses, enfim, o nihongo do nihonjin. O conteúdo das aulas é interessante e variado, o site é caprichado em imagens e funcionalidades e a divisão de capítulos por tipo de comunicação (apresentação, fazendo pedidos, indicando coisas) facilita para quem não quer fazer tudo, mas pretende apenas suprir uma ou outra deficiência no idioma. Outro ponto positivo é a possibilidade de não usar o sistema bilingue, cursando totalmente em nihongo, que sempre considerei como o passo definitivo no aprendizado: ser capaz de aprender um idioma sem idiomas intermediários.

Como pontos negativos, acho que existe uma indefinição sobre o nível do curso, em alguns pontos ele é absurdamente básico, em outros pontos os diálogos são tão realistas que claramente é difícil para quem ainda está começando. Ou seja, para apreciar ao máximo os vídeos e conteúdos o estudante acaba tendo que estar em tal nível que certos exercícios e certas explicações são tão simples que se tornam enfadonhas. Ou seja, me pareceu meio desequilibrado no nível de dificuldade.

Como esse review se baseia totalmente na aula 1, muita coisa pode mudar para frente, então vou atualizando esse post ou criando outros, dependendo do quanto eu achar necessário revisar minhas próprias opiniões.

Por que estudar japonês?

Quem quiser saber o que esse kanji significa e o que está fazendo aqui (e não tiver paciência para ler o texto inteiro), vá para os últimos parágrafos

Quem quiser saber o que esse kanji significa e o que está fazendo aqui (e não tiver paciência para ler o texto inteiro), vá para os últimos parágrafos

O título do post parece bastante amplo, então é melhor esclarecer do que se trata. Não é um post motivacional, não tem necessariamente dicas, sugestões e nem é um guia para incentivar as pessoas a estudarem japonês. Esse post, na verdade, é exatamente a mesma coisa que o título, um grande questionamento: Por que as pessoas estudam japonês? Por que dedicar anos, décadas estudando esse idioma? A resposta que vou dar é bastante pessoal.

Acho que meu primeiro contato com a língua com a intenção de estudo foi uns 10 anos atrás, com aqueles revistas de anime que ensinavam hiragana, katakana. Então, 10 anos depois aqui estou eu, novamente enfiado em livros didáticos tentando aprender e apreender mais uma infinidade de nuances gramaticais, agora para fins acadêmicos. Por que algumas pessoas (como eu) mantém essa dedicação por tanto tempo, outras desistem no começo, e outras desistem no meio, quando a coisa começa a ficar boa.

Não vou ficar conjecturando sobre os outros, talvez o meu caso, meus obstáculos e a forma de superá-los se apliquem a muita gente. Comecei a estudar japonês naquele período inicial de “boom” de mangas e animes no Brasil, ainda não era fácil de achar todo tipo de material em português, então volta e meia me deparava com algo em nihongo, especialmente jogos e shonen jumps. Então, meu estímulo inicial foi igual ao meu estímulo para aprender a ler em português (queria entender umas revistas do tio patinhas que encontrei em casa) e em inglês (lembro claramente de querer entender os “files” de Resident Evil 2).

Acho inclusive que esse estímulo deve ser o mesmo para 80% de quem começa a estudar a língua. Mas quanto tempo dura isso? Para a grande maioria, até perceberem que diferente de inglês, francês, alemão, a leitura das coisas não vai fluir depois de 1 ou 2 anos, vai demorar muito tempo. Alguns mantém o estímulo, mas com faculdade, trabalho, é difícil dedicar tanto tempo e dinheiro para uma diversão que tende inclusive a deixar de ser tão divertido (eu pelo menos passei anos sem paciência para anime e manga).

O meu segundo estímulo foi acadêmico. Poderia aperfeiçoar meu conhecimento do idioma e realizar pesquisas da minha área em japonês. Esse estímulo foi interrompido precocemente. Se já era difícil pesquisar em português, sobraria espaço para japonês, e quantos anos seria necessário para entender tão bem o idioma? Fiquei um bom tempo desacreditado na faculdade, até retomar com a chance da bolsa para Soka.

Depois de Soka mantive o ímpeto por conta da monografia que dependia da leitura acadêmica (era capaz de ler, sim, mas sei que estava longe de ser uma leitura verdadeiramente fluente). Depois disso precisava de novo impulso. Veio o estímulo profissional, a possibilidade de conseguir clientes a partir do idioma, mas nunca consegui engrenar a ideia. Veio então o concurso para tradutor juramentado, me dediquei mas ainda faltava a capacidade não apenas de ler e entender bem, que havia cultivado, mas a capacidade de me expressar.

Atualmente, com a ida à Universidade de Tokyo, todos esses estímulos voltaram com força total, o primeiro do entretenimento, me anima a assistir filmes, ler livros, até retornei um pouco aos mangas e animes. O estímulo acadêmico dispensa comentários, e a possibilidade de ter aplicação profissional do idioma me dá um fôlego a mais também.

Entretanto, por trás de todos esses estímulos, percebi que existe outro, que no fundo percebo que é, para mim, o mais importante, o que está presente em todos e que existe por si mesmo, que é o prazer em aprender outros idiomas, mas não só no clichè de se comunicar com outras pessoas e conhecer outros países, digo o prazer de aprender mais sobre a linguagem, as formas como ela se manifesta, a forma como o idioma influencia não só a expressão, mas a própria forma de pensar, a riqueza que uma palavra ou uma expressão que transmite algo inexprimível na língua pátria, um sentimento, um estado de espírito que nunca conseguimos expressar em português e de repente está ali, perfeitamente formado em outra língua . É o estímulo da mais pura curiosidade linguística. Talvez para quem estude letras, linguística, isso seja o óbvio, e tudo que eu disse certamente tem seus termos técnicos, milhares de estudos. Mas para um leigo é fascinante descobrir por si mesmo.

No caso do japonês esse estímulo é ainda mais rico se pensamos nos kanji, sua composição, as idéias que que os originaram e as ideias que expressam. Quase todo dia pego o dicionário e fico fascinado. Ontem estava pensando em um kanji muito simples, 栄, “prosperar”, que seria supostamente a imagem de uma fogueira iluminando as árvores em volta. Seria então “prosperar” a capacidade de se tornar algo ou alguém que ilumina o que há em nossa volta? E glória, 栄光 (prosperar + luz), seria ela na cultura oriental quando o nosso “prosperar” é iluminado e portanto reconhecido pelos outros? Essa conjecturas são muito estimulantes e cultivam a própria capacidade de refletir sobre o pensamento oriental (acho até que vou começar a fazer essas conjecturar sobre kanji mais frequentemente no blog)

Enfim, no fundo é essa curiosidade sobre língua, cultura,  forma de pensar inerentes à linguagem que me incentivam a continuar estudando os detalhes da língua japonesa. E talvez o que falte para muita gente conseguir avançar nessa língua é encontrar algo simples mas que incentive o próprio processo de aprendizado. Querer ler e entender, conversar e ouvir é legal, mas isso é resultado, consequência de um processo. É preciso apreciar a travessia.

NihonGo! retorna ao Japão – Próxima parada: Universidade de Tokyo

logo

Esse Blog começou em 2010 com a minha viagem ao Japão como bolsista do Convênio entre UFPR/Soka Daigaku. Na época começou como uma espécie de diário de bordo, com vários impressões de primeira viagem, algumas críticas inocentes, impressões estranhas. Nunca reli a maioria dos posts e acho que discordaria do meu eu de 2010 em muita coisa. Com o retorno ao Brasil aumentei a variedade de temas, a crítica social ficou mais pesada, mas também foquei bastante na divulgação de métodos e materiais de estudo de nihongo. É um blog que claramente não tem muito foco, vive de fases.

E agora começa uma nova fase na vida do autor, e portanto do site. Retorno em abril ao Japão como bolsista de Pós-Graduação do Governo Japonês (a bolsa do MEXT, também carinhosamente conhecida como bolsa do Monbusho). Vou conduzir uma pesquisa na área de Direito Econômico na Universidade de Tokyo.

Não digo que é um sonho realizado porque nunca sonhei em estudar na Todai. Com toda essa aura lendária que a indústria cultural e a própria sociedade japonesa cria em torno dessa instituição, nunca criei falsas esperanças. Para o pessoal da minha geração certamente a idealização começa com Love Hina, Death Note, e passa pelos Doramas, filmes, que abordam mesmo que tangencialmente a dificuldade de ingresso nas Universidade Nacionais.

Quando me preparei para entrar no processo seletivo da bolsa calhou que minha linha de pesquisa batia com a dos professores da UTokyo. Mandei e-mails, recebi ótimos feedbacks, depois que passei nas provas e entrevista, acabei passando também lá, foi meio circunstancial. Não significa que foi fácil, fiz um projeto bacana, montei versões em português, inglês e japonês, enfim, fiz o que se espera de quem leva a sério um processo seletivo. Ainda assim, a ficha não caiu na época, e não caiu agora.

Pois bem, o importante é que nessa nova fase do blog prevejo que vou poder tratar de alguns temas que ainda não abordei, ou que abordei superficialmente: a verdadeira vida acadêmica no Japão, a batalha para usar o Nihongo acadêmico, dicas para passar na bolsa do MEXT, a vida no centro de Tokyo… Enfim, essas coisas que decorrem da própria experiência de vida e de academia que terei.

Bom, esse post se presta só para contar a novidade mesmo. Estou empolgado por poder melhorar o conteúdo do blog, e especialmente torná-lo mais acessível. Um problema da minha bolsa anterior é que ela era muito restrita, um aluno por ano da UFPR, os leitores que queriam aprender os caminhos para estudar no Japão não podiam usar isso como parâmetro, agora quem sabe possa produzir um conteúdo universalmente útil.

Nihongo: do básico ao N1 – Kanji com Kanken DS 3 Deluxe

KankenDS
O título desse post é autoexplicativo vou falar um pouco sobre aprender Kanji com o Kanken DS 3 Deluxe.

Esse jogo é basicamente um simulador de Kanken, ou, o temido 日本漢字能力検定(Nihon Kanji Nōryoku Kentei Shiken), o teste de aptidão em Kanji direcionado ao japoneses “nativos”, mas que também pode ser tentado por estrangeiros (e é aplicado no Brasil, inclusive).

O teste eleva o conceito de “difícil” para outro patamar. São 12 níveis, divididos em 10 “categorias”, da seguinte forma

1級(Nível universitário、conhecimento de 6000 kanji)
準1級(Nível universitário、conhecimento de 3000 kanji)
2級(Entre Koukou completo e nível universitário、conhecimento de 2136 kanji)
準2級(Cursando Koukou、conhecimento de 1940 kanji)
3級(Chuugakou completo、conhecimento de 1607 kanji)
4級(Cursando Chuugakou、conhecimento de 1322 kanji)
5級(6º ano do shougakkou completo、conhecimento de 1006 kanji)
6級(5º ano do shougakkou completo、conhecimento de 825 kanji)
7級(4º ano do shougakkou completo、conhecimento de 640 kanji)
8級(3º ano do shougakkou completo、conhecimento de 440 kanji)
9級(2º ano do shougakkou completo、conhecimento de 240 kanji)
10級(1º ano do shougakkou completo、conhecimento de 80 kanji)

Essa prova é perfeita para acabar com a ilusão de quem pensa que sabe kanji. Para se ter uma idéia, o N1 do Nouryokushiken pede conhecimento de em torno de 2000 kanji, mas lá basta saber uma ou duas leituras e o significado. Esse conhecimento não serve nem para passar no nível 10 do Kanken. Neste é preciso saber muitas leituras, saber escrever, saber contar os traços (especialmente das exceções), saber onde termina o Kanji e onde começa o Hiragana, em alguns exercícios aparece um Kanji e você precisa completar a palavra com outro kanji (ou seja, precisa ter domínio do vocabulário também), tem que dominar os radicais. Enfim, recomendo a todos que experimentem o teste, procurem na internet modelos e descubram o verdadeiro significado da expressão de Sócrates “só sei que nada sei”.

Por tudo isso, fica óbvio porque o simulador de Kanken do Nintendo DS é uma ferramente tão boa no estudo do Kanji. Ele de alguma forma te permite quantificar o conhecimento (inclusive monta gráficos dos seus pontos fortes e fracos), e é estranhamente viciante, se você começa a jogar não para até conseguir ser aprovado em algum nível. Eu mesmo nunca consegui passar do 4級, e supostamente pelo meu N1 eu deveria saber o dobro do que pedem ali.

Como extra, ainda tem uns jogos absurdos como leitura do nome de cidades do interior, tipos de inseto, pássaros, flores, árvores e frutos do mar

Enfim, sei que o DS é uma geração vencida, muita gente não tem, e quem tem nem sempre possui acekards, magikons e outros equipamentos que permitem o download de roms, mas, quem tem DS e estuda nihongo deveria seriamente procurar o jogo.

Segue o link da página oficial com todas as funcionalidades:

http://www.rocketcompany.co.jp/kanken3/index.html

Nihongo: do básico ao N1 – Parte 2

Na parte 1 dessa série Nihongo: do básico ao N1 (link para a parte 1 aqui) falei do início do aprendizado, de algumas técnica e dificuldades iniciais e do que denominei “crise dos três anos”, na qual o estudante estudou muito e parece não saber nada.

Na parte 1.5 (link aqui) falei em maior detalhe dos dicionários.

Nessa parte 2 vou falar do confronto com a crise de aprendizado intermediário, sua superação, e na parte 3 falarei da preparação para o JLPT N1(Japanese Language Proficiency Test, 日本語能力試験, Exame de Proficiência em Japonês e etc…) de forma mais específica

1) Domínio do básico

Quem quer sair do nível básico do japonês e entrar em um nível intermediário (não no parâmetro dos cursos, mas de entendimento), precisa ter um domínio dos conceitos, conjugações, vocabulários básicos do idioma. Parece óbvio, mas não é para muitos. Alguns estudantes querem compreender nuances complexas da língua sem saber “de cabeça” questões elementares da gramática como forma -te, passado, grupos verbais e etc… Mas por saber de cabeça não quero dizer necessariamente saber explicar a regra, mas sim saber aplicá-la automaticamente. Assim como conjugamos em português sem ficar pensando na tabela de conjugação, é preciso chegar nesse nível automatizado no japonês.

O problema é, como fazer isso? Em certo ponto eu estava lidando com materiais e livros com estruturas e vocabulários complexos, conseguia superar esses textos, mas o conhecimento não se fixava, não atingia fluidez, facilidade, sempre tinha que consultar novamente as palavras não tão novas, decompor algumas conjugações para entender determinada expressão (em vez de identificar automaticamente dentro da própria palavra conjugada). Além de tudo isso, o volume de kanji, subindo para 500, 600 se tornava impossível para mim. Enfim, não bastava conhecer o idioma, era preciso internalizá-lo.

2) Como internalizar? Anki.

A maioria das técnicas tradicionais (materiais didáticos, repetições e etc) tiveram um limite para mim. Eu precisava ter contato com materiais novos, livros, filmes sem legenda, artigos científicos, mas isso só é possível se essas atividades fluírem, ninguém aguenta, depois de 3, 4 anos de idioma, gastar 30 minutos para ler uma página, ou se iludir de que entendeu completamente um diálogo de programa de TV.

A solução que encontrei foi o Anki, um software gratuito de flash cards que mudou minha perspectiva de aprendizado de idiomas (já escrevi bastante sobre esse programa nesses posts aqui, em detalhe, aqui falarei de forma mais geral). Mas não um uso aleatório do programa, primeiro passei 1 mês lendo sobre esse programa, sobre seu percursor Super Memo, qual a lógica de seu funcionamento, quais as melhores formas de elaborar cartas. Dividi então o aprendizado em 3 fases: Método Heisig, notícias, materiais de interesse.

   a) Método Heisig

O método Heisig é um método criado por James Heisig no livro Remembering The Kanji. A ideia do primeiro volume é simples, estudar 3000 kanji a partir do significado “deduzido” da história contada pelo desenho do kanji e seus radicais, ignorando as diversas leituras do ideograma. A lógica é que, ao tentar decorar as leituras e a forma de escrever você acaba se sobrecarregando de informações. É mais fácil aprender primeiro significados e as formas, tendo visto todos os kanjis, acaba a sensação de surpresa, você percebe que existe uma padrão de repetição de formas, e depois, considerando que as leituras em grande parte das vezes tem relação com os radicais, se torna muito mais fácil memorizá-las. (se houver interesse no método, comentem que escrevo mais sobre isso)

Na época estabeleci a meta: em 3 meses colocaria no Anki 2000 kanjis, criaria minhas próprias frases (para facilitar a memorização), dedicação exclusiva ao significado, e sempre com um papel do lado, escrevendo TODOS os Kanjis, inclusive nas revisões. Foi um período bem pesado, com pelo menos duas horas por dia inserindo cartas e revisando. Seguem dois exemplos de carta que fiz:

Como o kanji 大 significa grande e os 口 parece caixas, a frase faz sentido para mim.

Como o kanji 大 significa grande e os 口 parece caixas, a frase faz sentido para mim.

anki planice

Como 原 significa campo, planíce, e temos o radical de água do lado, fica mais fácil de lembrar, desde que conhecendo bem os elementos que compõe o Kanji.

b) Notícias

Familiarizado com uma base considerável de significados de kanji, passei a testar esse novo conhecimento com notícias, por meio de uma seleção diária em jornais como Yomiuri e Asahi, selecionando frases com palavras que considerava essenciais no aprendizado. Conhecendo o significado de muitos ideogramas, me restava apenas aprender a leitura e compreender as sutilezas do uso da palavra. Esse método tem a vantagem de ser rápido. Ctrl-C na notícia, Ctrl-V no Anki e pronto, você já tem a leitura automaticamente no programa (conforme tutorial que fiz no blog). Para as palavras desconhecidas, copia-e-cola no dicionário do yahoo.jp e pronto, já tinha além do significado em inglês, significado em nihongo e muitas frases de exemplo. O avanço no vocabulário e a melhoria na velocidade e fluidez da leitura foi visível em pouco tempo.

Trecho de uma notícia. Na frente da carta a frase retirada do jornal, no verso a leitura dos kanjis e com asterisco o significado tirado do dicionário de "kokugo" do yahoo.

Trecho de uma notícia. Na frente da carta a frase retirada do jornal, no verso a leitura dos kanjis e com asterisco o significado tirado do dicionário de “kokugo” do yahoo.

c) Materiais de Interesse

Por materiais de interesse considerei em primeiro lugar materiais de entretenimento: Filmes, Anime, Jogos (para quem gosta, música deve ser uma ótima forma). É um excelente método para a fixação dos conteúdos, mas é mais demorado que cópia das notícias porque, via de regra nesses caso é preciso, no caso de um filme ou anime, captar bem o diálogo, por exemplo, e transcrever, ou no caso de um jogo é preciso passar o texto para o anki, e nesse caso se você não sabe a leitura do Kanji vai perder algum tempo a mais com o dicionários de kanji (ou denshi jisho) para aprender a leitura.

Com base nessas “técnicas” consegui estabelecer um regime de estudo autodidata, que levei comigo para o Japão, onde o contato e internalização o idioma passou ao regime 24h. É sobre essa fase, e sobre os estudos específicos para o JLPT que vou falar no próximo post da série.

Tutorial Anki – Furigana Automático

A funcionalidade de furigana automático vinha inclusa nas versões antigas no Anki, mas já faz alguns anos que se tornou um simples add-on. Apesar da forma de instalação não ser nenhum segredo (https://ankiweb.net/shared/info/3918629684), esse post me parece necessário pois muita gente não faz ideia da existência dessa função.

Explicando melhor, o Anki possui vários tipos de modelos de carta. Originalmente é fornecido apenas o básico:

Basic-Note-Type-Anki-2

Conforme a imagem, possui apenas os campos front e back.

Entretanto, com a instalação do suporte japonês os campos mudam para expression, reading e meaning:

japanese anki

Não se trata apenas de uma mudança de nomes. Ao inserir o kanji no campo expression, o programa gera sua leitura automaticamente no campo reading (depois de digitar a palavra basta clicar no outro campo para gerar o furigana).

O sistema não é só vantajoso no ganho de tempo de preenchimento, mas especialmente pela função de dicionário de leitura, acabando com a dificuldade de descobrir a leitura de alguma palavras complexas (um problema grande antes do surgimento de ferramentas como rikaichan/kun).

A instalação desse modelo de carta é simples. Basta:

1) clicar em “tools” (ou ferramentas)

2) selecionar add-ons

3) inserir o código 3918629684 ou fazer a busca manual pelo add-on “Japanese Support”

4) Após concluir o download e instalação, basta entrar no deck de anki, selecionar “add” ( mesmo procedimento de adicionar cartas)

5) no campo superior esquerdo, clicar ao lado de “type”, onde provavelmente estará escrito basic

6) na caixa que vai abrir é só selecionar “manage”

7) depois “add” novamente, selecionar “japanese”, adicionar e selecionar como tipo padrão de carta.

Pronto, o usuário tem acesso à carta de japonês do Anki clássico.

Caso alguém não tenha entendido, ou caso utilize o anki em outro idioma, posso melhorar as instruções aqui. Comentem, pois qualquer alteração só acontecerá, a princípio, “on demand”.