Carreiras Jurídicas no Japão – Da Universidade aos “Exames de Ordem”

Comemorando minha inscrição na OAB vou falar um pouco sobre as carreiras jurídicas no Japão. Como o caminho trilhado pelos aspirantes a advogado, promotor e juiz é semelhante, vou dar primeiramente a noção geral desse caminho, iniciado na Universidade.

O Curso de Direito no Japão possui algumas peculiaridades.  Existe, digamos assim, o curso de Direito genérico, materializado no hougakubu (法学部), que se dirige não às carreiras jurídicas tradicionais, mas a uma formação mais básica que é necessária para alguns concursos no funcionalismo público, cargos em ministérios, diplomacia, política e etc. Por outro lado, existe um curso específico, houkagakuin (法科学院), que é o requisito para a entrada nas três carreiras tradicionais.

Esse programa dos cursos segue a sistemática americana de ensino superior composto por undergraduate education e graduate education, no qual o primeiro equivale a nossa graduação normal com a obtenção de um bacharelado, por exemplo, enquanto o segundo é uma pós graduação, mas que muitas vezes também equivale ainda ao nível de graduação no Brasil.

Pois bem, o curso de Direito básico dura 4 anos, enquanto o específico dura 3, entretanto, aquele que cursou o primeiro pode fazer o segundo em apenas 2 anos. A entrada no curso específico depende de mais uma prova, um vestibular com matérias pertinentes ao curso, então a tendência é a passagem pelo 法学部 antes do 法科学院, mas essa sequência não é obrigatória.

Esse sistema foi introduzido em 2004 pelo reconhecimento do alto nível de especialização exigido pelas carreiras jurídicas, especialização essa que é materializada no currículo bastante exigente do houkagakuin (法科学院). A seletividade muito maior que a vista no Brasil não está apenas nessa exigência de uma pós graduação em Direito, mas também no número de instituições que possuem essa Faculdade de Direito mais específica. São apenas 74 no país inteiro totalizando cerca de 5.800 alunos.

Após a conclusão dessa “pós-graduação” em Direito vem o Shihoushiken 司法試験 (agora chamado de Shinshihoushiken 新司法試験 depois da reforma que mudou a prova em 2006), o mais ou menos equivalente japonês ao nosso exame de ordem. Digo mais ou menos pois é um teste obrigatório não apenas para quem quer ser advogado, mas também para aqueles que desejam ser promotores e juízes.

Além de ser uma prova extremamente difícil, alguns detalhes tornam esse teste muito mais rigoroso que o nosso Exame de Ordem. Primeiramente, o número de tentativas é bastante restrito, o egresso do houkaguin tem 3 tentativas dentro dos 5 anos a partir da conclusão do curso  para tentar a aprovação, perdidas todas as chances não existe mais volta. Além disso o critério de aprovação é mais complicado, na primeira fase, de múltipla escolha a nota mínima é 65%, por outro lado, a aprovação geral não é depende de um valor absoluto mas do cálculo de uma nota de corte que leva em conta as notas nos testes de múltipla escolha e da prova discursiva.

Além dessas dificuldades o processo é uma verdadeira maratona, são 4 dias de provas, começando com a de múltipla escolha que dura 5 horas e meia e tem 165 questões. O segundo dia inicia as provas discursivas, com 6 horas para a resolução de questões de Direito Civil. No terceiro dia são mais 7 horas, 3 horas para a resolução de questões de uma disciplina escolhida pelo candidato e 4 horas para a prova de Direito Penal. Por fim, no último dias são 4 horas para resolução de questões de Direito Público.

A prova é feita em maio, o resultados saem em setembro.

O indice de aprovação tem diminúido desde a criação do novo teste. Iniciou-se com uma taxa de 48% e hoje está em 23%, em números absolutos há um aumento, na primeira edição foram 1009 aprovados, na última 2.063.

A propósito, assim como aqui não é necessário concluir o curso para fazer o exame, mas os que ainda não concluíram tem que fazer um teste preliminar para obter a autorização para realizar teste definitivo, o que só torna a maratona ainda mais longa.

Aprovado no Exame o candidato está habilitado para um período de 1 ano de treinamento sob a supervisão de um profissional da carreira que escolher, ou seja, vão estagiar com advogados, promotores ou juízes em um dos 50 locais autorizados pelo Ministérios da Educação.

Concluído o estágio satisfatoriamente o candidato é submetido a mais um Exame, e só após a aprovação nesse ele obterá o direito de exercer uma das três profissões.  Não é de se admirar que haja apenas 30.479 advogados e 484 escritórios de advocacia no país inteiro.

Isso tudo me faz repensar nas supostas dificuldades do Exame de Ordem no Brasil, bem como das exigências para os cargos de promotor e magistrado (isso que não entrei nos diversos treinamentos para ingresso defintivio nessas profissões). Aqui se valorizam provas e entrevistas rigorosas enquanto lá, ainda que as provas sejam extremamente pesadas, a preocupação com o ensino jurídico bem como com o preparo do indivíduo antes do ingresso nas carreiras revela em alguma medida mais preocupação com a formação do profissional e não (apenas) com sua capacidade de resolver provas de concurso.

A título de curiosidade, a mensalidade da Associação dos Advogados do Japão equivale  R$ 320,00.

Fontes:

http://www.nichibenren.or.jp/legal_apprentice/lawyer.html

Clique para acessar o houka.pdf

Clique para acessar o himawari_pam03_1.pdf

http://www.nichibenren.or.jp/jfba_info/autonomy/zaisei.html

7 comentários sobre “Carreiras Jurídicas no Japão – Da Universidade aos “Exames de Ordem”

  1. Jorge Fernandes disse:

    Interessante. Como é a concorrência? O cargo de Juiz é tão cobiçado e muito remunerado como no Brasil?

    • eduardompa disse:

      Eu diria que a concorrência é mediana, considerando que 20% dos candidatos são aprovados, dá pelo menos 5 por vaga.

      Quanto ao cargo de juiz, é provavelmente o mais baixo entre as três principais carreiras (advogado e promotor). O salário é alto, mas menor que dos outros.

  2. Joao Lucas disse:

    oi tudo bem, Eduardo eu gostaria de saber se você conhece algum estrangeiro que tenha feito ou passado no 司法試験 e exercido algumas destas funções como promotor, advogado e juiz. Ou os japoneses são muito conservadores e burocráticos, para não deixar um estrangeiro num cargo muito alto. Por que eu vou me inscrever no MEXT esse ano para cursar direito, já vi o blog do dinheiro público do Rodrigo kanayama, explicando sobre as carreiras jurídicas ai no Japão. Eu gostaria de saber se tem como eu um brasileiro conseguir esse feito direto ou indiretamente pela bolsa, eu sei tem um caminho muito longo até lá de estudo,suor e noites sem dormir. Sou também da ” Republica de Curitiba” e por isso eu escolhi cursar direito, por tudo que esta acontecendo no Brasil. Mas eu gostaria de exercer minha função ai no Japão é possível ?

    • eduardompa disse:

      Sendo bem direto, acho impossível, não conheço ninguém que tenha conseguido.

      1) Quem vem pelo MEXT para graduação dificilmente consegue entrar em Direito.

      2) Quando entra, descobre que o departamento de Direito e Política é de uma formação genérica, e é geralmente mais aconselhável seguir as disciplinas de política.

      3) Para quem consegue cursar Direito, surge o problema de que, para prestar 司法試験, é preciso passar também pelo Law School, e até onde eu sei o MEXT não extende a bolsa para Law School, apenas para o mestrado acadêmico.

      4) Ainda que a pessoa supere todas essas dificuldades, ser aprovado é muito, muito difícil.

      Geralmente, mesmo para quem vem com esse sonho, em algum momento no meio do caminho as pessoas percebem que é um risco muito grande por as fichas no 司法試験 e preferem seguir uma carreira normal em empresas japonesas ou estrangeiras.

      O caminho de 99% dos advogados estrangeiros no Japão foi se tornar advogado em seu país de origem e então achar alguma forma de atuar no Japão.

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