Como se estuda no Japão – Yoshuu

Nessa terceira semana de aulas lembrei de algo por aqui em relação aos estudos que é bastante diferente do Brasil, o Yoshuu (予習).

Yoshuu é basicamente o estudo que se faz antes da aula, aqui não tem (teoricamente) essa história de chegar sem saber qual assunto vai ser tratado para depois ficar boiando nas explicações. Você precisa chegar com alguma noção da matéria pois a aula, quando expositiva, parte do pressuposto que os conceitos básicos, e mesmo as conclusões a que se pretende chegar já foram estudados, dessa forma o professor revisa rapidamente o que o aluno deveria saber e preenche as explicações seja com idéias mais complexas ou com novos pontos de vista.

Isso acaba gerando aulas interessantes. Algumas vezes temos que ler um texto de determinado autor para chegar na aula e descobrir que o professor não concorda com ele, e queria ver se alguém iria perceber as contradições em sua teoria. Nem sempre a aula é expositiva, há muito debate, e o fato de já chegar conhecendo o assunto faz com que exista maior participação por parte dos alunos. Além disso, toda aula tem uma “lição de casa” geralmente na forma de “reports” que variam de tamanho e podem versar tanto sobre o assunto que já foi tratado como do assunto da próxima aula, e tem como base leituras obrigatórias e recomendadas, assim, o estudo sempre se passa por três fases: 1) leitura e compreensão dos fundamentos do tema, 2) construção de um pensamento sobre o assunto; 3) revisão, discussão e aprofundamento na aula.

Não digo que esse método é algo nunca visto no Brasil, de fato alguns professores tentam, mas ele depende muito dos alunos, e só existem dois tipos de aluno com os quais pode funcionar, ou eles devem ser muito dedicados ou devem ter sido condicionados desde pequenos, no Brasil eu diria que ambos são bastante escassos e dificilmente o método funcionaria da forma prevista, apesar de que no meu caso, por ser relativamente dedicado e por estar acostumado a uma carga de leitura semanal pesada toda semana na UFPR, bem como as tentativas de aplicação de diferentes métodos didático-pedagógicos não tive dificuldade para me acostumar .

Como aqui essa não é apenas uma prática universitária, mas existe em todos os níveis escolares, a maioria dos alunos está condicionado ao método (infelizmente tenho percebido aqui que a maioria dos aspectos positivos da sociedade japonesa, bem como muitos negativos, são fruto do condicionamento intenso a que os indivíduos se submetem desde sempre, as coisas funcionam bem menos pela vontade e mais pelo hábito, mas isso será objeto de outro post). Se todos não chegassem preparados não haveria discussão e ninguém entenderia o conteúdo das aulas.

A mesma lógica se aplica nas aulas de japonês. Como em qualquer outro tipo de aula aqui cada matéria tem um calendário definido que inclusive indica as páginas que serão vistas em dia. Considerando que cada lição apresenta uma vasta lista de vocabulários novos, de kanjis novos, de construções gramaticais novas, é essencial que os alunos façam leituras e pesquisas antes da aula, para que esta sirva como uma rápida explicação e possa ser permeada com conversação, leitura e resolução de exercícios.

Esse nível de comprometimento é possível pois geralmente o aluno japonês, além do condicionamento e disciplina tem uma relação muito próxima com o local onde estuda, ele tem aula pela manhã (ou a tarde, nas universidades cada um monta seu horário), almoça no local, participa de clubes e grupos de pesquisa e pratica esportes na universidade, ou seja, até mesmo as atividades extracurriculares são no mesmo lugar, isso cria um vínculo maior do que simplesmente chegar na Santos Andrade e assistir ás aulas. Não nego que na UFPR existem opções de atividades fora do horario de aula, mas são opções muito escassas, aqui você tem de tudo, coisas que vão dos clubes de esporte até clubes de discussão sobre assuntos acadêmicos, ou mesmo interesses gerais como América Latina,  trabalho voluntário, culinária, filmes, lietratura, música,  enfim coisas normais com potencial de criar um vinculo entre aluno e universidade, e não apenas o núcleos de discussão sobre Direito e etc ( e acredito que o Direito tem uma ligação grande com literatura que poderia ser explorada de forma bem melhor na UFPR, de forma menos acadêmica, se fora de aula,  e mais informal, mas, enfim…)

Aproveitando que mencionei os clubes, eles são algo que tem tornado alguns momentos do meu dia bastante irritantes uma vez que a divulgação deles é feita na base do grito, ou seja, nos intervalos de aula, não importa onde você vá existem dezenas de pessoas gritando ( e gritando muito alto) tentando atrair quem está passando por perto, o que inclusive, no meu modo de ver, é fruto da extrema dificuldade que os japoneses tem de se comunicar, eles não conseguem abordar um desconhecido e conversar naturalmente, além disso são péssimos para argumentar sobre qualquer coisa, então simplesmente gritam frases planejadas. Essa questão também se revela em qualquer loja que você vai, eles tem um conjunto de frases padrão, e repetem sempre as mesmas, não importa se você não entendeu ou pergunte outra coisa, eles simplesmente não conseguem falar algo diferente. De qualquer forma, isso é assunto para um outro post.

15 comentários sobre “Como se estuda no Japão – Yoshuu

  1. Bruno (obrigatório) disse:

    Putz, então agora descobrimos de onde foi que o Prado tirou seus avançadod métodos pedagógicos — ah, saudades do primeiro ano!

    E os estudos de direito e lit. estão se intensificando por aqui, Eduardo. Tem agora uns três grupos simultâneos de discussão e a tópica do assunto é realmente interessante. O diabo são as pessoas.

  2. Lia disse:

    Acho que eu me adapteria bem a esse metodo de revisar antes.
    To resovendo a documentaçao jah..tah sendo um inferno, depois te falo melhor. Bom…quase me formando tb, me deseje sorte! /o/

  3. ~Katsumi~ disse:

    Yoshuu!! Quando a gente aprendia essa palavra no gakkou, esquecia logo porque nem entendia direito que diabos podia ser “revisar a lição antes da aula”, hehe. /o/

    Na verdade, eu faço yoshuu para as lições de nihongo, mas para a faculdade, só em casos extremamente raros… -o.õ- De fato, seria interessante adotar o costume por aqui… Mas depende do sistema como um todo, não é? Alunos, professores, livros…

  4. Cid Mesquita disse:

    Permitindo a contraposição confirma ou derruba uma teoria interessante, pois pensamento pré concebido é pensamento falho como dizia o teu avo.

  5. Jorge Fernandes disse:

    Não sei se comparar com Arnaldo Jabor ou Boris Casoy é uma boa comparação. De qualquer forma, foi muito bom esse insight sobre educação japonesa. Acredito que isso faça muito mais diferença do que a suposição de que o imperador curva-se para os professores (rsrs). Em muitos blogs parece que o Japão é apenas festa, ninguém fala sobre estudo (exceto aprender japonês) ou trabalho.

    Gostaria de saber se é verdade que o funcionário precisa sair com o chefe para beber depois do trabalho, senão não é promovido?

    • eduardompa disse:

      Não gosto muito da comparação pois não gosto nem um pouco de ambos os comentaristas, além do mais temos orientações ideológicas opostas. Mesmo assim, sinta-se a vontade haha.

      A questão do estudo o Japão é muito interessante, pretendo escrever mais sobre isso em breve.

      Nessa questão do funcionario sair com o patrão, nao é uma regra, mas o Japão é feito dessas pequenas obrigações de aparência, desse puxa-saquismo generalizado, então é comum quem seja assim.

  6. Ani disse:

    Oi, Eduardo, seu texto foi muito esclarecedor para mim.
    Estou tentando mudar a minha maneira de estudar, e deixar de ter esse padrão de estudo que temos no Brasil, para, quando for professora, pensar em um novo modelo de educação e com certeza o seu texto me ajudou muito sobre esse delineamento.

    Vejo que ainda estamos anos-luz atrás no quesito educação, principalmente se formos nos comparar com Japão, Coréia.

    Muito obrigada e abraços,

    Ani

  7. Jorge Fernandes disse:

    Relendo o texto algumas coisas interessantes passaram pelo meu pensamento.
    I- “infelizmente tenho percebido aqui que a maioria dos aspectos positivos da sociedade japonesa, bem como muitos negativos, são fruto do condicionamento intenso a que os individuos se submetem desde sempre, as coisas funcionam bem menos pela vontade e mais pelo hábito”

    II- “além disso são péssimos para argumentar sobre qualquer coisa”

    Não será que o II seja uma conseguência do I?

    Além disso, eu noto uma coisa muito interessante nos animes. Quando o momento é para piadas e comédia os personagens costumam falar tudo que passa pela cabeça deles, nada muito incomum até ai. Porém, existem certos momentos em que o autor/criador do anime possivelmente quer fazer uma reflexão. Nesses momentos de reflexão, eu noto que os personagens ou não falam absolutamente nada ou falam poucas frases, quando um típico brasileiro iria fazer ou ficar tentado a fazer um enorme discurso sobre a cena. Os animes em que penso agora são Cowboy Beebop e Wolf´s Rain, mas eu noto esse padrão em vários animes.

    Sei que você planejava ou planeja escrever algo sobre isso, mas não é todo dia que eu consigo ordenar meus pensamentos geralmente confusos e acho interessante saber a opinião de outras pessoas a respeito. Será que fui o único “maluco” que pensou isso ou outros já observaram?

  8. Raphaela disse:

    Oi! Estudo Direito na UFF no rio de janeiro e quero muito ir pro joapao estudar Direito. Por favor me ajuda com alguns esclarecimentos ! Meu numero : 021979257998
    Insta: @raphitaph
    Espero q vc me responda !! Bjs e obrigada desde já.

  9. Lourindo Matos Luis disse:

    Gostei muito de ler este artigo e acho ser muito interessante estudar no Japão eu sou um jovem que gosta de inovação acho que estudando no Japão seria uma maravilha.

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